sábado, 10 de dezembro de 2011

O que queremos senão... amar?!

As vezes não percebemos o que pode ser importante; ou percebemos e não nos damos conta, impedidos por um véu que obtusa a visão teimosa em enxergar apenas o que é agradável. Detestamos nos sentir incomodados, temos resistência em nos sentir provocados, em perceber que tecemos fantasias o tempo todo as quais, ao serem desfeitas, nos tira do eixo, nos obriga a mudar de trajetória. 

Entretanto, sempre estamos recomeçando: partindo de um lugar para outro, criando outras ideias, revendo convicções antigas e por vezes rasteiras, remanejando a vida que nem sempre é aprazível. Recomeçamos a todo momento, sem exceção. Porém, preferimos acreditar que vencemos o devir  - que nos carrega nos braços feito criança ingênua que não sabe andar pelas próprias pernas - com planos estabilizadores. Mas o devir se movimenta conduzindo a vida como uma maré que ergue as forças para se desmanchar na praia...
Sim, assumimos compromissos que na realidade ocultam um compromisso que não queremos assumir: tudo muda, tudo acaba e recomeça, tudo é construído e destruído simultaneamente. Nada permanece o mesmo, mesmo quando tudo parecer ser a mesma coisa, deste jeitinho repetitivo e, obviamente acomodado. De fato, isto é desnorteador, pois nos coloca frente a frente com o vazio, a falta de sei lá o que consumidora de dias e noites fugazes. E, quando menos esperamos.... passou. O que devia ficar, se foi.  

Todavia, criamos mitos, estórias, ideais para preencher este vazio que parece se ampliar em vez de se sucumbir - temos "tudo" mas somos invadido pela sensação de não ter nada, e ficamos inseguros entre tantas figuras estabilizadoras que tão logo nos desencantam. Está aí, ou melhor, está aqui dentro, pulsando, pulsando, pulsando... Deveras, este vazio se alarga e quanto mais tentamos eliminá-lo, mais afirma sua presença inelutável. Agora eu te pergunto, leitor: como podemos amar qualquer coisa sabendo que fatalmente há de se acabar? Como amar o que vemos e o que sentimos quando a névoa que nos apresenta o que queremos ver se dissipa diante de nossos olhos?

Eis uma perspectiva que apresento como resposta para artistas: telos em branco, vida pulsada em tinta e aguarrás. 

Quando do Nietzsche concebeu o Amor Fati, preconizou um amor pela vida sem excluir as vicissitudes que a compõem. Portanto, não se trata de apenas encher os pulmões e dizer: "Sim! Eu amo a vida!" quando experimentamos um estado de felicidade, o qual é apaziguador. Não. Se trata de encontrar este mesmo estado de felicidade quando o vazio que nos habita também nos lembra de nossa efemeridade, nossa finitude e nossa impermanência - ainda que vivos - na vida do outro; se trata de não amar apenas o resumo da ópera, ou as "boas" explicações situacionais ofertadas pelo deus ex machina - amemos toda a trágica composição!

O amor (Fati) não é aquilo que apetece o corpo e cabe dentro da lacuna que o vazio incansavelmente estende dentro de nós. É o que mais nos incomoda, que nos leva para a margem do abismo que nos habita e nos impulsiona a saltar. Ao mesmo tempo, nos movimenta até retornar à superfície onde nos convida a dançar, a sorrir, a querer viver mais e mais, sem no entanto mudar - num sentido de elevar para um "Melhor" inalcançável, uma promessa stendhaliana - simplesmente querer ser o que tu és, dentro da vida que tu tens.

Amar a vida, amar alguém abarca este estado de perplexidade que é desassossego. Comoção, cria-ação do novo de novo, de novo, de novo... Ad infinitun...
Amor que é quietude, é beato.
Afirmação inerte é paliativo.
Felicidade estrangeira sempre perde o trem.
Tudo está aqui (dentro), o amor (Fati) não habita outro lugar.  

AML

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sim.
Tem horas que a maior prova de amor é a despedida.
Ir embora sem dizer pra onde.
Mudar.
Trair ritos de união afogada
antes de perder o ar
Coçar os cabelos já não mais afagados
para criar provas contrárias à inércia
Deixa de andar de mãos dadas que não mais se tocavam
sem elo, o amor cria cascos
Não mais trovar versos que já não eram ouvidos com tanto zelo...
para partilhar palavras mesmo quando não querem ser enunciadas

É necessário saber ler o corpo (do)ente
que denuncia a distância
a ausência
o desconforto
o descuidado.
de um amor desnutrido pelo incômodo de precisar mudar
renovar as células
re-criar o ritmo
o compasso que bombeia a energia para querer ficar
sem medo de re-começar
hoje
amanhã
e depois
e depois...
Infinito enquanto durar.

Uma grande prova de amor é deixa-lo partir...
seguir
amar
cativar
viver
         a si.
Antes de se esvair de sede de amor.

Ir embora quando quer ficar
amor que doi por fora e por dentro
Entretanto -
Dor que engendra crescimento
Um querer amar ainda mais e de novo
Saudade que faz voltar pra casa
vazio preenchido com outra chance para ser o que se é.
Caminhada por fora do conforto
Furacão que destroi para refazer (se)

E partir
para a cria-ação
de si mesmo...
partilha da alegria
de si mesmo
antes de encontrar...

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ao poeta itabirano

Eu não podia deixar de render homenagens a Carlos Drummond de Andrade, meu gauche inspirador. Dia 31 de outubro, é dia de poesia.

"Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor. 
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito, 
por isso frequento os jornais, me expondo cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. 
Mas também na rua não cabem todos os homens. 
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é o grande mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão. 
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece. 
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada. 
Entretanto escorre nas mãos, 
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas? 
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, frágil e ridículo é meu coração. 
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam).

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade eu sou  muito pobre.

Outrora viajei,
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem. 
Entretanto alguns se salvaram e 
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor. 

Então meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo, 
meu coração cresce dez metro e explode.
 - Ó vida futura! nós te criaremos."

("Mundo grande" - Sentimento do mundo) 

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Des-embarque

Náufragos não tem medo de nadar no mar.
O coração explode quando está em silêncio.
Amor não precisa de salva vidas
recomeça simplesmente
Repete a canção arranhada no toca disco
relembra
e segue imprevistos...

Há muita pintura na tela que quer saltar
sem saber pra onde: ir rumo a qualquer lugar que tenha
cor de querer...
de um desejo profundo que paira na superfície
e leva o desafogado a saltar
de novo
num típico azul marinho dos afogados.

Um mistério oceânico
deveras,
Algo que leva as mãos digitarem compulsoriamente
amo
amo
amo
sem pontos
sem direção

O que tem lá dentro?
Um amor perdido em alto mar...
procurando outra nau
sem rumo
a des-cobrir
um coração passageiro

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Diego

No meu quadro de primavera
há cores de Frida
            SoulFrida
              SoFrida
                   Calo?  

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Míopes e desregulados

Sim, eu me envolveria
com você.
Talvez até me casaria com ele ali.
Ou ainda, com aquele cara
que conheci no Réveillon passado.
Eu poderia me envolver ou me casar com qualquer um -
que gosta de criar jogos sobre o real
feito criança que se aventura
brinca de criar vida
muda as regras
troca o fim da piada por outro mais engraçado
E cria
amarte
tudo novo de novo...
num dia
e no outro.

Eu só não me casaria
com a pessoa certa.
Exceção de todas as exceções.
Isso é muito claro: sou míope
e agradeço aos céus por sê-lo e enxergar tão mau
Quem é míope sabe que
De longe, tudo se parece vultos: tem forma mas não tem face
algo a ser des-coberto,
que não quer
ou não pode
ser re-conhecido
É longe que a pessoa certa se encontra - eu não a vejo como é,
porque está além da tarefa de ser o que é
Apenas tenho uma ideia de como deve ser - sim, eu fantasio.
Ao me aproximar, me entristeço.
descubro que não passava de uma piadinha de minhas vistas embaçadas.
Acho engraçado.
Rio de tanto chorar!
Penso: "puxa, quase me enganei, essa foi boa"!
Não vejo nada de longe
acho isso fantástico
uma potencialização da vontade
da natureza ao meu favor.

Me casaria apenas com alguém que permanece aqui
 - na superfície
 - na terra
 - no conflito de amar o que ama.
Na retina desnivelada
desregulada
que mostra o mundo com imperfeição.

Na superfície, amamos por profundidade
A pessoa certa quer se instalar na verdade
do (des)encontro
Quer preencher o vazio
de ponta à cabeça:
como uma imagem formada ao contrário,
atrás do globo ocular.

Eu vejo mais do que supõe
o suficiente para dizer
Eu amo.
Eu te amo.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Falar de prosa: conto que fala de amor.

Escrever é um verbo intransitivo.

Eu tento sempre mudar a temática, o ritmo, a melodia do texto; tento quebrar a harmonia e construir algo novo, mas não dá. Tenho um tema que seja ou não o objeto principal da escrita, sempre aparece de um jeitinho ou de outro: às vezes sorrateiramente, ou avexado entre linhas; sutil ou inflamado. Sim, o amor é meu tema-mor. 

Não sou provinciana, portanto, minha escrita também não é: o meu tema é grande e não poderia ser diferente: falando do meu tema não escapa que eu fale de mim e de você, leitor. Mesmo quando falo do tempo, de potencialização da vontade pela vida mesma, da cria-atividade artística de se (re)construir a todo instante, estou enunciando o amor - e, ao mesmo tempo, amando. Não há como partilhar algo que não sou, que não crio ou renovo: palavras também são imagens transfiguradoras do absurdo que é existir... Eu até poderia falar de coisas fantásticas e inusitadas - como Rubião - mas, não. Até quando tento falar do fantástico, falo de amor.

Outro dia, eu conheci um menino que relinchava. Parecia estar muito entediado e, por isso, relinchava. Não sei se os cavalos relincham quando estão entediados, mas esta era definitivamente a situação desta pessoa. Uma conhecida o atravessou, ele sorriu para ela, o sol até se abriu nesta hora (era uma tarde quente de uma quinta feira indecisa, o céu estava claro, embora parecesse que ia chover). Porém, logo em seguida, voltou a relinchar. O tempo fechou novamente... Daí, pensei: "nossa, esta estória é uma boa oportunidade para eu escrever um conto!" E nada. Comecei a escrita, mas logo o assunto se desviou: ao invés de explorar o fato inusitado do menino relinchar, apenas vinha em minha mente o por quê daquela tristeza tão grande que eu notara em sua expressão fraca, tão abissal que o levava a  relinchar... Deveras, não senti nele o sopro da vida, mas um estado quase animalesco de mal estar... Está vendo, leitor? Não sai outra coisa: eu conto, mas me atenho a esta prosa muito típica do interior...

Levei este problema ao meu analista, pois pensei que era frustrante demais escrever prosa ou versos, e ainda por cima com um tema tão presente. E pior: que esta frustração advinha de alguma brincadeira de mau gosto do meu inconsciente. Daí o doutor me disse: "filha, o seu problema (que não é, de fato, um problema)  é esta sensibilidade que aflora por todos os seus poros, fazendo com que você veja a vida como versos em construção. Ah, se todos os meus pacientes sofressem deste mesmo mal..." Sim, meu analista tem tanto de Fernando Pessoa quanto tem de Freud: "você se lê como versos que são escritos e apagados, sempre em (re)criação." Neste dia, saí do consultório muito feliz, convencida que também sou artista - falo de amor em prosa e versos, vivo o amor numa tela em branco onde pinto as cores que preenchem meus versos... Crio e recrio, desfaço, pinto outra coisa, deixo a palavra no ar, secando a tinta.

Daí, pergunto: por que ser outro se sou tão intensamente maior sendo EU? E volto novamente na estória do menino que relinchava. Ele se sentia ofendido em ser o que era, ou melhor, parecia que estava ofendendo o mundo por ser quem é. Estava num palácio de espelhos cuja auto imagem refletida era distorcida. Pois é. Eu não queria falar, mas não tem jeito: ele não via dentro de si o amor, esperando-o sempre vir do espectador, do lado de fora. Para se amar, ele precisava de uma "aprovação" do mundo, como se tivesse que existir alguém cristão o suficiente para lhe dizer: "eu te compreendo, te aceito do jeito que é e amo-te." Pobrezinho, vai continuar relinchando por muito tempo... E repetirá todos os dias o mesmo episódio: vai sorrir para a menina conhecida, terá um minuto de gozo que logo será desperdiçado no tempo em que perde esperando que ela olhe para trás e veja quem é...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Se a terra gira... e outra, e mais outra, vez..

... Porque simplesmente somos assombrados pelo agora, ficamos apavorados em tentar, já que é mais fácil simplesmente passar o resto do tempo que tiver se lamentando por não ter dito o que queria, não ter tocado a canção que queria ouvir, por não não ter dado mais demonstrações de afeto, de alegria, de acreditar; por não ter enxergado o que amava quando amava por puro medo de descobrir que não amava e queria muito mais... Não parece insano? 

Perdemos muito tempo treinando um discurso de despedida, ao invés de nos olharmos no espelho e voltarmos todas as questões que vemos no outro para nós mesmos. Claro, temos que postular culpados pelo que nós mesmos já "damos conta" de fazer por nós... Adotamos a "síndrome do Pequeno Príncipe": somos eternamente responsável pelo o que cativamos no outro, mas não queremos arcar com a responsabilidade do que cativamos em nós mesmos. Não, não se trata de introjetar a culpa que projetamos pra fora: não é questão de culpa, não é uma conscientização cristianizada do "pecado" em sermos livres e cheios de vontades libidinosas o suficiente para nos tornamos perversos, crueis, capachos do auto flagelo. Não, nada disso: é interpretar o que temos ou o que deixamos de ter ou experimentar a partir de um olhar voltado pra dentro, para o jogo que nós mesmo movimentamos as vezes contra, as vezes a favor de nós. 

Creio que o maior fracasso do homem hoje é o medo de tentar mais... Medo de descobrir que tudo é tão frágil, tão efêmero, se esvai como areia entre os dedos por tão pouco... Não, não temos o controle que pensamos ter sobre o tempo... é o paradigma do imprevisível que ignoramos fazer parte. Isso sim deveria nos mover a nos sensibilizar com coisas simples, pequenas, mas que potencializam a vontade de viver. Para ser feliz, não é necessário receber um convite. 

Vejo que a beleza que circunda este mundo ingênuo que habito preenche meus pulmões com um ar mais leve... com sabor de amanhã, de todo dia, de coisas novas e indecifravelmente deliciosas só porque são novas: porque coloco a alegria e felicidade de viver bem aqui, onde estou - parafraseando Vicente de Carvalho. Há tanta singeleza que deixamos passar... O mal estar, o desafeto, as frustrações turvam  nossos olhos para o que é mais encantador. São estes pequenos encantos que solidificam todos os dias os alicerces mais frágeis, porém, os mais indispensáveis: o amor, a alegria, o bom humor - bem estar consigo, que reflete o bem estar com e para o outro. Sim! Meu coração está espantado e pulsando uma força que não imaginava ter, uma vontade tão grande e indescritivelmente simples de criar a vida que quero fazer parte, entre pomos de ouro e de lata: tudo é dignificante e suficientemente valoroso para levantar os cantos da boca e gargalhar feito criança.

Por que trocamos isso pela cólera? 
Por que temos medo de sentir tamanha intensidade brotando aqui dentro, nos fazendo criar e criar jogos imprevisíveis?
Porque queremos saber onde estamos, quem somos, o que fazer amanhã? 
Porque queremos estilizar o devir criando uma rotina cronológica que faça algum pseudo sentido, para aquietar-se no cosmos, sendo que frequentemente nos encontramos no centro do caos. Sabe, a destruição e força embriagada não alcança o centro dos furacões. Ali, vendo tudo girar e girar e se dissolver em nada, é uma zona de conforto que garante uma sobrevivência piedosa, sem lutar pela vida, simplesmente esperando a poeira baixar para recomeçar. 

Porém, a vida pede muito mais para se afirmar. Está na fronteira de um tempo não linear, mas tempo. Onde a vida é tangível, há tempo. Não se trata de limite, apenas tempo que pode ser tudo e que volta a ser tudo ou nada se não sairmos do epicentro para olhar e transfigurar a vida em beleza... A possibilidade de criar me revigora a todo instante, pois tudo pode ser novo se eu não me fechar para a ampliação do olhar de dentro... para fora...

Sou um possível. Uma canção em silêncio que perpetua a magnitude de um viver afirmativamente que pode brotar nos ouvidos apenas de quem consegue ouvir versos dissonantes, que engendram um desconforto e tão logo um prazer inebriante, pois sem perhaps

De passagem por aqui:

"Só leve a esperança em toda a vida
Disfarço a pena de viver, mais nada,
Nem é mais a existência, resumida, 
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida
É uma hora feliz, sempre adiada
é que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos,
Toda arrodeada de dourados pomos.

Existe sim: mas nós não a alcançamos,
Porque está sempre onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos."

(Vicente de Carvalho - Velho tema)

domingo, 18 de setembro de 2011

Qualquer lugar

Uma passagem em branco.

Sem nome.

É pra onde mesmo?

Pra qualquer lugar
Por que todo lugar é lugar de felicidade.
Está dentro.
Pleno.
Forte.

Não se afirma a vida quando ela é colocada somente num palco onde o devir é memória.
Ingênuo.... Não, amar precisa ser inocente. Jogo de criança sem finalidade: porque amar não pode ser visto de cabeça pra baixo - coisa de idealismo e tantos outros ismos que enrijecem o tecido fino da vida.

Sim, a vida é frágil... e mais rugosa pra quem ama de olhos fechados pra dentro...

Amar...

Ah, sim!! Amar!

Afirm(a)mar!!

Está aqui dentro, não do lado de fora.

Nem nos palcos, nem nas praças, nem nos livros.

Queres dividir? Queres compartilhar?

Amar é grande.

É potência.

É coragem.

E volta...

Volta....

Volta...

Mais uma vez, do mesmo jeito: o outro é o mesmo.

domingo, 28 de agosto de 2011

O segredo da vida (?!)

(Lucien Freud. Painter and model, 1987)

Sim, ser humano guarda um segredo insuportável, que somente se revela aos homens cuja virilidade possui culhões suficientes para conhecê-lo. A cada movimento nosso, a cada instante, somos arguidos pela Esfinge. Não ela não quer nos dar passagem: "decifra-me ou devoro-te!". Ingenuamente, em nome da permanência e desejo de medicar o sofrimento, recuamos à charada e somos devorados...

Ser assim, humano, exige algo de pele que muda, transforma (se), morre e renasce outro. É decifrar (se).

É preciso estar nu para ser humano. É necessário ser artista para ser homem pictório, que se representa sem a áurea da transcendência, da vida alheia ao corpo e suas afecções. É na nudez de ser o que é que tal segredo se revela, se deixa apreender em seu mistério - confundindo equivocadamente com vazio. Não. É carne que se ilumina com luz e sombra que retrata imagens que não tem pressa em obrar (se). 

Cria-atividade. Sim!! Lançar-se na tela em branco, sem (pre)ocupar-se com o (des)interesse do espectador. Isso é decifrar(se), criando elos com o segredo da vida, sem ostentar uma beleza de clichês, criando pontes, enterrando os mortos, fazendo vida que dói numa alegria extasiantemente corpórea... 

Confesso. Segredo revelado? Creio que não. Só não sou mais promessa, sou performance. Instalo-me no sou apenas - a duras penas. 

Novas pinturas, novos possíveis, novas perguntas por quem sou?. Decifro-me. A Esfinge me concede passagemNão me prendo às respostas, crio uma pintura de mim a cada instante, com novas cores, mudo os temas, estou sempre em construção. Não temo mudar, não finjo perfis fashionistas para agradar o paladar alheio e azedar meu ser. Não temo a dor de mudar e conquistar outros espaços, novas surpresas e perspectivas. Apenas temo que não me conheça como metamorfose, e queira me aprisionar num projeto que não me encanta, não me deixa voar manuelmente fora da asa. 

Porque hoje, meu bem, eu acordei magenta.


sábado, 27 de agosto de 2011

Outro e o mesmo (?!)

"A pergunta quem sou? é nova toda vez que a formulo, e a decisão de partir da sua resposta é sempre penosa e radical, ao ser tomada. Formularei, pois a pergunta quem sou? como se fosse pela primeira vez, para (quiçá?) poder decidir-me." Vilém Flusser.

Toda grande mudança abre alas para o vazio de si. Um avassalador vazio, incongruente, por vezes cruel. Mas, ao mesmo tempo, é uma sensação que alegra: todo sentir vazio prenuncia novidade. E tudo que é novo não é tão, mas tão gostoso?

É preciso coragem, meu bem. Por que o vazio deixado pelo que passou pode devorar as entranhas e curá-las para devorá-las novamente, dia após dia: há um preço pelo desejo de nomear o vazio, de vazio. Se deixar, o vazio se transforma em buraco negro, que tudo engole, que inveja o que é vida e se preenche apenas de morte. O "autêntico" (?!) vazio quer compania: quer sentir-se cheio, quase explodindo. Veja bem: explodir é excesso - embriaguez de vazio que se esvaziou demais, ou se preencheu demais, ficou escuro de cores para ver os limites. E tudo se mistura, água quer ser óleo, sujeito quer ser verbo no pretérito perfeito do subjuntivo. Sujeito sem adjetivo, por que vazio. Mas, ao mesmo tempo, completo. De que? 

Gasolina. 

É preciso ousadia, meu bem, para não explodir. Nesses momentos, a solidão é solidária. Ventura para experientes, não para iniciantes, que fazem do vazio, o Nada. É para amantes da vida que medem a força, a sensibilidade e inteligência pela vontade de lutar e não pela retórica e persuasão que só faz sentido em dicionários. Retórica é para velhos rabugentos e vaidosos, que fogem da solidão, que preenchem o vazio com novidades infantes e populares: promessa de felicidade inócua, cuja duração é de festim. Não constroi, não cuida, não (re)cativa. O venturoso não vê a solidão como castigo. É um plus presentificador que o seduz, que o impele a querer mais, querer calibrar o vazio com o amor inebriante e desconhecido... Sim, querido! A solidão inova, reforma a casa para receber outro de si!! Outro de amor!! Outra forma ficcional de vida!! 

A solidão-solidária é terapêutica. Permite que cada um encontre outro lugar pra ficar, pra ser seu. Admite outros nomes para o seu lar. Quer aprender outra forma de vida possível, outra pintura de si, nova perspectiva que não ambiciona ponto de fuga; atividade de artista que joga com a desmedida e não se perde: se encanta, se enamora, porque goza de uma vida que se afirma por ser vida, por ser esta vida e não outra. O venturoso não finge. Não foge. Não lamenta a solidão, nem o vazio - respira fundo, aperta até o final o tubo de tinta e... cria.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Suzanne

Há poucos prazeres na vida que são tão singulares quanto fumar um cigarro ouvindo Leonard Cohen declamar o coração desvairado de quem ama...

Oh, Suzanne, só há herois cegos na cidade...
Adoro romper com regras tolas
que querem poder sem Poder
garantir
que viver é seguro...
que nada...

Quem sente o vento
balançar os cabelos sabe (que)
viver é aventura
nau sem rumo
o tempo não é estável
nem sempre as nuvens são de algodão
Há algo de púmbleo em viver
Poesia que adoça
e também açoita o corpo
na mesma (des)medida
O mundo está carente de mundo.
Organismo que padece
de amor
de finitude
de possíveis.
tudo que permanecer
imaturo
Mudança que preserva
que teima em preservar
 - o que já não volta -
Mudança que não muda
nada além da vaidade
Para que passar
por fases
se é possível permanecer "na fase"?
                                        "na face"?
Pulam perspectivas
como se pulassem corda
Não há movimento
Não há cria-ação
Tudo paira
no tempo
ma inércia do tempo
que deixa de ser fluído
e inaugural.

Cadê novidade?
Acham autêntico tropeçar
nos mesmos carimbos, nos mesmos ágons (será ?!)
que infantes evitam .
Acham que tempo
só passa no relógio
para os aposentados
frustrados que lamentam
as lutas que deixaram de travar porque não tinham
tempo para envelhecer...

Vejo um mundo caricato
que ri
de um amor caricato
escrito em HQ's
em que o homem morre e ressurge
como heroi covarde.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Intensidade

Sentir cada centímetro cúbico de toda dor e toda alegria com humor inocente. Feito criança com chiclete na boca, que se lambuza ao fazer bola.

Sinceridade que dói e alivia:
É pura de valor, convenções, conceitos. O sentir não deve ser interditado pelo silêncio quando há tanta incoerência dentro das palavras. Linguagem que luta pra sair da garrafa, jogo de signos que dinamiza a alegria de viver, mesmo quando a circunstância espanta o coração, torna o ar mais rarefeito e faz corpo pesar.

Sendo sincero, a vida ganha leveza... É jogar limpo consigo mesmo, sem usar a trapaça como proteção contra a dor que o sincero aparenta querer causar. Veja bem: não se trata de imposição de opiniões, tampouco revela um desejo aristocrático de afirmar-se a todo custo. É mais, muito mais que simplesmente "causar" desconforto - ele já está alojado antes da pronúncia do primeiro verbo direto-indireto. Trata-se da finalização digestiva para continuar a alimentar-se de possíveis.

Não é a sinceridade que é rude. Não se leve, caro leitor, pela opinião dos hipócritas. A rudeza está em confundir inocência com ingenuidade; em banalizar o coração do outro só porque não vem acompanhado de bola de cristal. É rude quando o não dito parece que foi dito - tudo se resolve no intervalo da autoridade polarizada do discurso: palavra que se torna monólogo, fonemas que trombam com imagens no espelho, mas que ecoam no semblante de quem não as replicou. Calou-se. Silêncio que absolutiza apenas incógnitas. Aí a palavra torna-se coisa mal feita, porque é uma oportunidade que desoportuniza - vale só para um.

Sinceridade sensibiliza a vida para a alegria, para a plasticidade do moldar-se constantemente. Somos feito de terra, mas não somos máteria prima queimada no forno... Somos humanos expostos à adversidade do tempo natural. Humanos que se tornam cacos, caricaturas de si quando somente são respeitados como artefatos para bajulação e paliativos de um entretenimento vil, de um conhecimento para colecionadores de paixões sem sentido (sensível, porém, embriagado de silêncio)...

Rir de si: sim, alegria que acha graça em desenganos. É querer amanhã, montar quebra cabeça que sempre falta a última peça. E o que colocar no lugar do espaço vazio? Nada. Deixar à revelia do tempo? Não. Basta simplesmente deixa-lo assim, aberto para tudo o que puder se encaixar...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Um, dois, três minutos.

(Salvador Dali. A persistência da memória, 1934)

Jogo.

Palavra chave para o ter e não ter. Nem tudo, nem nada, apenas devir. Uma aposta com o tempo, visível e invisível.

É incrível como o tempo as vezes é tão voluntarioso, mudando de direção conforme o vento apruma... Sem rumo, numa encruzilhada, o sol aponta para todos os lados e tudo parece convergir para o mesmo lugar. Não, não é o mesmo lugar. Numa palavra: a vida nasce e renasce a todo instante, há mais morte na vida do que pretendemos suportar. Em cada suspiro, mais um segundo, menos um segundo...

Tempo tem tamanho.
Tem sentido.
Mas não tem direção.

Um dia sente amor e no outro não. Um dia quer calor e no outro frio. Um dia quer presença e no outro tudo falta. Falta até tempo para rememorar quando ainda nada fazia falta, quando a ambrosia escorria nos lábios e descia ventre abaixo... Tempo requer tempo para ter tempo de amar o amor que é feito de gozo, de alegria e controversas. Há farpas no amor maduro, água que não esfria mas empalidece quando perde a graça. Amor também é feito de chistes, pilhérias, rir de si mesmo como um pateta sapiens que não sabe nada. É leveza.

Há tempo para fazer tudo que pode. Desde que a cria-atividade tenha chance de inaugurar cada crepúsculo e cada alvorada; tempo de amar é tempo de novo. É tempo que comunica palavra amor mesmo quando o som parece sangrar. Se calado, o tempo brocha. Não come vontade, nem euforia, nem desejo contrariadamente aquietado na cama. Tem tempo que só resolve com a palavra. Não pode faltar tempo para a palavra afeto. Por um segundo, amor precisa de afeto cotidiano. Um, dois, três minutos. O relógio dispara...

Tic tac.

Mais um round: novo jogo, açúcar amargo, sonho feito de terra que mobiliza o amor livre... Tempo que pode voltar, pode partir, caminhar em outro tempo e recomeçar de onde partiu. Desencontro marca encontros quando não há subterfúgios. Coragem. Amar é coragem. Sem pressa de tempo, de morte, de futuro... é aí, cada segundo novo que evapora e renasce a todo instante...

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Metade

Não,
Não completei
Nem com todos os versos e cores
Não terminei a pintura de si
É até bom
ser assim, metade
algo porvir
algo ainda a ser meio tudo
meio nada.
meio preto no branco.
Meio mistério
Meio desvelada.
Ser projeto
é auto defesa contra a solidão
meio solidão que sempre deseja se instalar.
Insatisfação?
Não.
Metade e só metade.
Meio vontade que cresce
e cria vida inteira.

Essa ideia de duplicidade
platônica
faz sentir metade como condição
meio completo meio vazio.
Tem que haver falta.
in-satisfação.
Projeta a felicidade do lado de fora
faz sentir pressa
o amor demora a chegar pra quem tem pressa.
Quer um erotismo meio moral
meio justo
meio ideal.
Quer meio tudo quase nada
amor meio fácil
meio calado
meio gemido
Torna a natureza
meio dor meio prazer
Sendo que é inteiramente alegria quando
acorda todo dia
meio sonhando meio acordada.
Meio sem saber e
meio sabendo
Meio sorrindo de alegria
para meio amor
meio resolvido meio complicado
meio porvir.
Não há meio verdades nem
verdades inteiras.
é tudo possível.
Meio completo meio feliz.
meio inteiro.
Meio livre
Meio de vida livre
sem falta
mas metade.

domingo, 17 de julho de 2011

Nem sei... mas sei.

Domingo.
dia bom pra capturar versos
cotidianos
Nuvens suaves como algodão desfiado
Sol quente
água de côco geladinha
dia gostoso...

Melodia
deu juventude a ideias senis
um cantar que trouxe alegria
Surpresa?!
Adoro ser surpreendida...
O mistério do não saber me fascina...
amar sem saber que ama
vestir o que (é) visto...
Dose homeopática para começar
outra semana
bem.

Derramar água para encher o copo
Derramar lágrimas pra encher (se) alegria
Suar o desejo de criar...

Recomeçar
Reconstruir
Renovar.

Palavras de peso pra domingo
tão concretas que não se dissolvem no ar
(A)firmam-se
dando a Dionisio a bela aparência de Apolo
e vontade
de criar novos rabiscos
outras formas de existir (Sim!)



Inovare.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Consola(dor)

Quietude.
Palavra do dia.
Um suspiro.
Um sorriso.
E futuro...

Fases de nós
fases de tinta seca
Encantos juvenis que desencantam (pois)
preenchem um vazio pitoresco
O vazio vazio
que angustia o sono
deixa a cama fria
alento erógeno
ausente de amor (profano)
de amanhã.

Tempo
parece não passar.
Mas passa.
consola(dor).

Sem medo
de amar.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Outra vez

Melancolia.
Velha conhecida.
Não é tristeza, veja bem.
É saudade misturada com mudança.
Recomeço.
Re-inauguração.


O novo
me comove.
Um dia lindo depois
da tempestade de emoções
turvadas e exaustas.

Meu semblante sorri
expectativas
o devir joga os dados
e eu aposto novas fichas.

Não,
não dói como antes.
Mas está vazio
a euforia do amor.

Óleo sobre tela
Acrilic on canvas
é suave
bonito
o que quer aparecer aí.

Dia e noite
casa de vidro
Se(r) amo
vivo
feliz
do meu jeito
melancólico
sensível
na pele
que troquei (ontem).

Crio versos
e prosas
e liberto-me
da tristeza que quer me
devastar
Fico de pé.
Sempre.
Sorrio
Sempre.
Trago amor e não tristeza.
Mas está vazio...
tudo vazio...

sábado, 9 de julho de 2011

Antes

Foste mãe.
Quando queria
ser mulher.
Jogos truncados do devir (pode)
confundir assim
quando não há
voz
que afirme o que quer.

Faltou razões próprias
motivos próprios
amor próprio
inspiração
e alegria em ser o que és
                                   
Perdeste o tesão
do improviso
do amor que cria e re-cria
o gozo de viver...

Quando ele queria
apenas cuidado
 às avessas
Ela cuidou
                e ele aceitou o carinho de mulher
                como se fosse amor de mãe...

O cuidado com o amado
descuidou-te  
 - duplo equívoco de dois amores                      
O segurou no colo
O abraçou apertado à noite
E deixou-se do lado
                             de fora.
                             A mulher ficou menina pra ser mãe.
                             O homem ficou menino que queria colo
                             Só tinha amor que era seus, mas para outro.
                             Sem afirmar-se(r) Mulher
                             Sem afirmar-se(r) Homem
                             sonhava sonho que era só sonho
                             ela estava na janela dele
                             - e ele na janela dela
                             amando a vida que via passar...
                             Sem nada que a deixasse mulher feita
                             Sem algo que o fizesse ser quem é
                             no fazer vida e criar.
E para quê?
Se sabes que amas...

Hoje Mulher livre,
desprendida do outro
como auto afirmação.
Sabe muito bem o que quer...

Deveras, Mulher
encontrastes um amor
que não lhe pediu que deixaste
de se amar...
Que também não se amou
antes de te amar...

Paredes

Um tijolo de cada vez...
mais um dia
menos um dia
perdendo tudo
e ganhando novamente
                                 outro jogo.
                                 um oitavo selo se abriu
                                 xeque-mate.
Recria-ação
Sou eu e sou outra
que não conheces mulher
Um projeto arquitetônico
porvir.

Quero uma vida
que não caduca esperança
Que cativa o amor
em seus contrastes
Na angústia
que se torna prosa
Na saudade
feita de versos

Quero a beleza da cria-atividade
existência possível
e eternamente desejável
como é
             Meu amor restaura-se na arte
             Amarte.

Uma flor colhida vivendo fora d'água

Estes olhos verdes
cativados por Eros
já não declamam
o partir

O amor é
(in)pulso e dinamismo
que move-me a transformar
a vida
em constante cria-ação

Há beleza na dor
e prazer no re-começo
Reformo a tela
e deixo as cores entrarem
Paisagem abstrata
sem medo
de imitar o provável

Serei surpreendida?
Sim!
Sem ponto de fuga
agora
Amor em perspectiva.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ossos do ofício

Ossos do ofício. Amar, as vezes, é um vício em sonhar... Relembrando, cutucando, repetindo uma dor que envenena, pois busca o reencontro onde houve despedida. Sofremos recaídas, ressaca de um desejo guardado e não consumado. Tentamos reorganizar um tempo fluído, que já foi desperdiçado por pura vontade de preservar a harmonia... Uma pena, mas para esse ofício, não há regras, não há leis, tampouco previsão que forneça garantias ou uma lucidez instantânea acerca das circunstâncias. Trata-se de uma louca aventura: saltar de precipício em precipício e levantar-se em cada queda.

Cada amor é o primeiro e o último: após noites etílicas, prometemos nunca mais afogar-se na euforia do vinho... Até que nos encontramos apreciando-o mais uma vez...

O amor também esfola nosso rosto no fundo do poço: empreendimento descuidado quando há privilégios em jogo. E, como amantes indiscretos que somos, fazemos papel de imbecil, ao não enxergar, por pura teimosia, que amar é desprender-se. Mesmo estando com o amante ao lado da cama, é necessário compreender que amar é uma via de duas mãos; cada qual em sua singularidade, cria-atividade vivificada em si e compartilhada. Grande engano acreditar que o outro exige dedicação exclusiva: concurso público que garante uma vaga num coração carente. Cilada armada, talvez, pelo receio da solidão. Entretanto, caro leitor, é inegável que a vida segue em devir, o futuro é, citando Stendhal, beleza que promete felicidade. Mas pode não cumprir. 

Não, definitivamente, por mais razoável que seja tal resolução, não é fácil chegar até aqui. Como trabalhadores austeros que somos, alienados de si mesmos, nos contentamos com o vislumbre das vitrines do amor ideal, perfeito e verdadeiro... Porém, mal sabemos que tal ingenuidade perversa que vende a autonomia à comodidade em não lidar com as disparidades da convivência cotidiana nos leva a pagar, sobre um preço tão alto, o sacrifício da alegria que deveras é o amor livre... Nas vitrines, não conseguimos notar o momento necessário para recomeçar: pois todos os amores tem aparência de conto de fadas com um final feliz sempre ainda a ser alcançado - mesmo que se trate de um romance impossível de se concretizar.  A natureza, a vontade de ter tudo em nossas mãos, conduz ao desperdicío de forças na direção errada: após uma desilusão, todos os movimentos devem privilegiar a reconstrução de si mesmo. Não se perder na tentativa de reverter a história já escrita é um desafio: pois mãos vazias, engendram um coração louco.

Deveras, após a tempestade de emoções quando desiludidos, o amor torna-se improviso. Uma canção que só tem graça por corromper a harmonia, desfazer escalas e criar algo totalmente novo, inventado. Uma vida que se cria e recria simultaneamente... Perdendo para ganhar: pedir demissão e refazer-se numa nova empresa, dar licença para o novo (amor) entrar. Esvair toda a fluidez do corpo, da alma em frangalhos, apenas abre a mesma ferida de outrora, da dificuldade em lidar com a rejeição que não rima com os versos e prosas que traçam o encontro... e desencontro. Amar... em perspectiva e criação dinâmica, entre o belo e o sublime, a rima e os versos livres, a obra e o autor... 













sábado, 2 de julho de 2011

Solvente de tinta, solvente de amor em tela.

(Gustav Klimt - Detalhe da pintura O Beijo. 1937)

Uma cria-atividade pode elaborar em cores e formas a tristeza avassaladora, transformando-a em aparência de beleza. Não se trata de um exercício paliativo em digerir a rudeza e insignificância que substituíram a boa contemplação do que passou; antes, é apenas uma forma de lidar com o que é agradável, sem ocultar o grotesco que rumina dor.

Não há retorno para mundos e fantasias já desfeitas, mas ainda permanecem vivos como um quadro pintado na memória - embora também possa ser pendurado na galeria do esquecimento. E o que leva, caro leitor, um amor  tão grande se tornar mais abstrato do que é? O que leva, caro leitor, ao desejo intencional de se desfazer de uma obra tão significativa e, agora, empobrecida pelo desvalor do que passou a representar? Eu não sei. Mas sinto em tons de cinza e gelo o que antes pulsava vermelho nas veias...

Proclamar o sofrimento em cores e poesia garantem uma economia emocional capaz de não radicalizar o desejo pelo amor em fluxo num silêncio absoluto e corrosivo. É uma garantia provisória que permite um caminhar por uma ponte acima do abismo ao qual nos lançamos a todo momento, mesmo querendo ficar à sua margem. Deveras, um recurso eficiente quando o artista desencantado não desanima em pintar outras cores, novas perspectivas em telas possíveis: o que permite um suspiro de alívio quando imerso na cólera...

A cria-ação.
Graça humana que volta o olhar para o fluxo da vida, em continuidade, possibilidade e recomeço.

 



sexta-feira, 1 de julho de 2011

Depois do silêncio,
um grito.
E um sentimento
de criação
imenso.

Amor
é sentimento de cria-ação.
Em versos
me livro da dor
e
jogo com a alegria
de viver.

O devir
não sabe perder...

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Silêncio....

Acordei ouvindo o silêncio.
Entre uma palavra e outra, sussurraram o silêncio.
O ruído da rua atropelou toda a manhã
de silêncio
e palavra.

Há dissonância também no dia,
há improviso artístico do corpo
que quer dizer tudo
em silêncio.

Invisível e inaudível.
Indolor.
Incolor.
(Inter)dito.
(In)constante ruído
onde jaz silêncio e vida
em mudança.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

Mundo grande

Hoje, meu coração pulsa Drummond:

"Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
Por isso me grito,
Por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
Preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também na rua não cabem todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
As diferentes dores dos homens,
Sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
Num só peito de homem… sem que ele estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
Tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
Tão calma! Vai inundando tudo…
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
Como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que os homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
As sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
Países imaginários, fáceis de habitar,
Ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
Trouxeram a notícia
De que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
Entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
Entre a vida e o fogo,
Meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos."

(O Mundo grande - In: Sentimento do Mundo)

sábado, 4 de junho de 2011

Recaída.
Essas coisas de amor as vezes reclamam atenção quando não é possível ceder tempo.
Tem horas que sou devorada pela falta,
pela carência,
pela saudade de um amor presente.
Tento ao máximo
transfigurar a dor em beleza.
Mas tem horas que parece que vou
simplesmente
explodir.

Ou inflar
como um balão
e sair voando por aí... até eu me perder...
E me (re)encontrar.

Saber pintar emoções não é
pra qualquer artista.
Saber lidar com o terror do tempo
que nos assombra
é para trágicos
e cômicos.

Minha palavra pode ser temperada
com um pouco de ira
de dor
de necessidade.
Mas revolta
ressentimento ou
agonia, não.

Não me julgue.
Sou apenas uma paixão
que não se cabe mais dentro de si
E precisa tornar-se(r).

Um toque de cólera poética
que não infecta
nem mata.
Só apraz as pulsões
em favor da vida bela.
Sem direção.
Sem eleitos.
Só poesia
e versos livres.

Amo(r).

Limite.
Até os maiores amores adormecem
silêncio.
shhhhhhhhhhhhh....
Sem você.
Amanheceu?
Só tenho seu amor quando sonho.
Quero um amor que acorde ao meu lado.
Não sou platônica o suficiente para
amar somente uma sombra de amor
que ficou fora da caverna.
Não gosto de cavernas.
Nem de sombras frias, vazias de vida,
que repetem o desejo como alegoria.
Estou só.
Fico muito bem sozinha quando
meu coração é apenas terra fértil
a ser cativada.
Porém,
Tenho um grande amor que infla dentro de mim
 - como um balão.
que quer voar para longe...
Eu quis.
Ainda quero.
Iria a qualquer lugar
com você:
desceria nos porões do inferno de Dante,
faria duas vezes a mesma odisséia
do Ulisses de Homero,
se você me amasse
ao seu lado.
Mas não consigo mais
somente sonhar que alguém me ama.
Minhas forças se esvaem
junto com o tempo que dilui
a promessa de que irás voltar
(antiga ou nova representação)
um dia...
Se acreditas
no meu amor como uma quimera,
(sem disposição para passar por dores e mortes)
só na alegria,
só no tesão,
só na esbórnia,
ser só felicidade absoluta,
não sou quem procuras.
Porque sou gente,
sou Mulher.
Tenho força e
Limite.
Preciso não ser
apenas
uma quimera sua.
Ou vivo e morro amando
como
dois corpo nus em amor e dor
Ou guardo-o na estante.
Como um conto fantástico
sem começo e sem fim.
Mas belo.

Não hei de censurar
mais
meu desejo e amor por amor.
Se não importas,
vou fazê-lo palavra.
Pra não gangrenar em ilusões
elejo o amor poético
que não castra
não consome,
vai pra algum lugar.
Irei
só.

domingo, 29 de maio de 2011

Querer e não querer.

O coração não chega num consenso. Nunca.
Saber e não saber.
Seguir ou não seguir em frente.
Colocar um ponto final na história ou usar ponto e vírgula.
Caminhar.
Ou correr.
Ou fugir.

Aquietar-se.
Ou sair pescando flertes.
Deixar que o desejo transborde,
(não amo só por 24 horas)
para
Encontrar o novo.
Talvez o novo seja apenas uma (re)interpretação
mais coerente com o corpo de dois.
Ou esperar.
Esperar.
Esperar.
Sinal amarelo que não fica vermelho nem verde.

Tem horas que o amor é assim, cartesiano.
E precisa de Deus.
Pra provar que existe.
Esse cheirinho de transcender amores
me deixa assim,
querendo e não querendo
amores.

Ou
Ou.


 

Para Chronos e Eros.

Como? Sim, construir e desconstruir paredes.

Não, não estou reformando a casa. Eu a derrubei. Mudei-me para outro lugar, onde posso lidar com os limites do meu próprio jardim sem pisar nas flores que plantei. Quero vestir-me nua pra não ostentar um amor paranormal. Sou filha da terra, plantada no dinamismo das estações. Quero sentir novamente o frescor primaveril de amores possíveis que não se escondem no medo de não se concretizar.

(Re)Começo a contar do zero, ainda não há unidades. Mas sou possível. Sim, espero alguém. Paciência.  Alguém deve entender que o tempo dos humanos é efêmero, por isso, nem a paciência pode aguardar eternamente a supressão da falta, da carência. Deveras, meu caro amante, o amor deseja não caducar.

Não, eu não desconfiava de nada. Precisava ouvir uma palavra, um gesto que não fosse confuso, uma sentença em que eu não fosse a causa principal da infelicidade que não era a minha. Não sinto culpa. Assumo de peito aberto meus erros para não repeti-los, mas não me culpo e nem culpo ninguém pelo meu próprio engano. O outro se torna um buraco negro quando não fala da comédia da vida entre quatro paredes: se torna  uma ovelha asceta, profundo, cheio de segredos e esperanças além da vida. Se perde dentro de si, por puro receio de ser quem é e desagradar os jurados. Daí, quem está envolvido também se perde... Se imobiliza, com medo de ordenhar um corpo que apenas quer aquietar-se... Não quero esse amor ressentido, preso a imagem do que passou como se fosse a última quimera, o último suspiro de vida. Amor também é dinamismo. 

Saí. Pronto. E não olho pra trás. Não abro portas que traem a natureza e as estações de cada um. Isso me inclui. Quero meu corpo e meu gozo. Não falo gramática, falo de amor. Como chamar de "casa" um lugar feito de falsos espelhos que distorcem a imagem do tempo, aprofunda o amor numa perspectiva de ontem e distorce a imagem que é possível contemplar? Amor é um tempo mosaico: não vale a pena estragar a sua beleza com partículas mesquinhas que insistem em se encaixar, mas não tem espaço.Quero atenção e não um mar infinito de poréns... Três poréns que ressalto:

Ter forças para se distanciar quando o desejo é estar tão perto...
Calar-se quando quer dizer mil coisas vãs que tens medo de ouvir...
Confiar que amar resiste ao tempo mudo da incerteza da reciprocidade.

Quantos paradoxos de tempo e amor.

Porque ser feliz é sofrer e sofrer e amar sem deixar de sofrer...
Não dá para amar ignorando o sofrer e ser feliz ao mesmo tempo...
É uma equação complicada: ter o destino nas mãos e sentir-se completo enquanto há tanta falta...
É uma economia que pode desperdiçar: tanto amar que entrou pela porta e fugiu pela janela.

Percebe?
É viver e pronto.
No corpo que padece.
Amar.
No tempo que se move.

terça-feira, 17 de maio de 2011

(Re)inauguração.

Sim.

Sentimento do mu(n)do.

Em silêncio pronuncio afeto,
                                  amor,
                                  devaneios afins,
                                  desejo.

Hoje o dia amanheceu
leve,
inocente,
ingênuo.
deu até vontade de chorar de alegria
tamanha beleza que vislumbro a cada suspiro.

Abracei a vida.
E ela correspondeu ao carinho.
Entre dores e amores
Acertos e enganos
Pintura e escultura
Jazz e bossa nova,
sigo assim, feliz.
Sem culpa por não sofrer em ser feliz.
Sem pecado.
Sem mácula.
Feliz inocentemente como uma criança,
que ri do que não tem
a menor graça.

domingo, 15 de maio de 2011

Ex-Mágico? Uma ode existencial a Murilo Rubião.

(...) Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma. (...)
Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém. (...)
Rolei até o chão, soluçando. Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.(...)

Murilo Rubião - O Ex-Mágico da Taberna Minhota.


Em que podemos de fato depositar credibilidade? São tantas possibilidades de verdades e mentiras, há tantas formas de interpretação do que vemos, ouvimos ou pensamos. Nada é permanente, não tem nada que funde uma convicção que perdure eternamente. Se isso vale para as coisa palpáveis que damos nome, forma, cor e tantos outros predicados, imagine então como é para o amor... Tão indizível que é, parece éter, parece mágica.

Se iludir é tão fácil... Criar ilusões que fazem de nós um truque, também é simples: basta que nos ausentemos de ser quem somos por puro receio de não agradar, de não ser "bom demais" para o outro, para o mundo... Daí, sequer representamos um personagem; nos velamos, nos castigamos por não sermos belos demais... Ledo engano... O belo está em ser humano, demasiado humano (Nietzsche e sua potência de vida), em toda sua vivacidade contraditória, defeituosa e deveras extrema élégance quando cria coragem de ser afirmação.

Neste jogo polarizado entre bem e mal, certo e errado, amar e não amar, as vezes nos perdemos. Porque queremos ser a magia na vida do outro, queremos oferecer um sonho, uma quimera, uma promessa de felicidade (Stendhal?). Porém, apostar nessa forma interpretativa do desejo do outro contraria o próprio desejo de ser amado como somos. É desejar ser mágico mesmo sabendo que somos humanos. Como o ex-mágico da Taberna Minhota, só que às avessas: pois cortamos nossas mãos esperando vê-las crescer novamente e nos surpreendemos com a fatídica realidade: mágica, meu caro, só no universo fantástico de Rubião. Aliás, se minha memória não falha, neste conto de Rubião o mágico em questão desejava deixar de ser mágico, de ser admirado por seus truques tão surpreendentes, mas ilusórios. Ele sabia que ser mágico é estar só com seus truques, é ir de encontro a uma solidão avassaladora: pois ser um truque é ser também uma piada que somente ostenta o gozo do outro...

Nem mágicos ou ilusionistas querem ser o que não são: mágicos. Nesta perspectiva, arrisco dizer que é contrário a lei de nossa própria natureza nos afirmarmos pelo o que o outro quer que sejamos. É cruel não admitirmos nossos próprios desejos em nome do bem querer de outro - em jogos de amor, não pode haver anulação de nenhuma das partes. Além de cruel, é estupidez, pois tão logo a ilusão é desfeita, o amor se esvai... 

Amor se sustenta pela fantasia, pelo inusitado, pela expectativa: mas não pela ilusão. A ilusão mesma, por si, também não se sustenta: se não somos perfeitos, adivinhos, nem mágicos, certamente haverá um momento em que não mais conseguiremos corresponder à demanda afetiva-libidinosa do outro. Consequentemente, nossos truques serão insuficiente para ostentar a promessa de felicidade (eterna?)... Truques não são algo em comum  entre o mágico e o espectador: o mágico faz o truque que é admirado pelo espectador, que por sua vez se satisfaz com a ilusão que se esvai ao fim do espetáculo... Por isso, mágicos ficam só: pois doam ao outro uma imagem (de amor) que é para usufruto do espectador , sem a reciprocidade da alegria, do prazer, do amar...

Deixei de ser mágico. Não exerço mais este ofício. Jogo um jogo que agora tem as minhas rainhas e os meus reis. 

Ex-mágicos ostentam quem é sem o adorno da ilusão (causação de picadeiro) de outrora. Se fazem feliz sem os truques. Todavia, como o Ex-Mágico da Taberna Minhota, todo ex-mágico caminha só. Mas não faz piadas (de si) que o torne agradável ou especial, ou surpreendente ou "melhor de todos". Não é mais uma figura jocosa de mulher, de homem, de amor. O amor de um ex-mágico não é um coelho que retira da cartola. É coisa da terra e do corpo, feito de gente. E este amor que encontra sem truques (por si e para o outro que queira o acompanhar sabendo que é ex-mágico) talvez quem o ame não o reconheça. Talvez nem o reconheça: como ex-mágico, você sabe, é possível sempre se recriar... O único truque do qual ex-mágicos  não se desfazem... 

Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico.

De Ex-Mágico para ex-mágico.

domingo, 1 de maio de 2011

O espelho de Narciso.



Por que escrever?

O que me dispõe a escrever?

Liberdade. Aqui não há máscaras metafísicas de perfeição. Sou eu. No corpo. Em fluxo. Mas a escrita, para mim, não é movida somente pela paixão e contradição que sou, mas também pelo desafio. Imaginas tu o que me desafia? 

O mudo da medida. Esse mundo ilusório da perfeição, da permanência, da felicidade ressentida. Ter que medir, amar como um moralista, que só enxerga o ser nos sonhos de ventura. Isso me desafia porque sou excesso, sim, pura vontade de viver cada boa fortuna, cada desentendimento, cada deslize, cada beijo roubado. Sim, sim, sim!!! Escrevo porque a vida explode dentro de mim, um amor que precisa sair e se expressar como amor que diz sim: sou impulso que quer se expressar como criação. Mas o mundo da medida quer que eu interprete a santa quando sou a profanação do que é sacro...

Vaca profana do querer: não sou pura, nem prática -  sou criação de morte e vida que o mundo prende numa Forma. Foi necessário uma (re)descoberta do tempo perdido (menção a Proust) para eu entender por que os gênios vivem em uma lâmpada: eles sim são luz, iluminare. Mas o mundo quer que sejamos santos. Não há espaço para o gênio. O mundo da permanência não suporta sua força excessiva, é ofuscado pela alegria de viver sempre em perspectiva de renovar-se, criar-se, ser outro. O mundo quer que sejamos santos. E hipócritas. Estou num mundo da supremacia do entendimento, mas que não consegue compreender-me: eu mudo de pele. Eu posso e aceito viver na aparência ao invés da ilusão. Assim eu resisto, não me rendo à castidade do impenetrável.

Mas não é fácil resistir: quase deixei-me levar pela má disposição afetiva que a estabilidade e segurança de ser santa oferece. A ilusão, como lobo, se disfarça em pele de cordeiro. É difícil, assim, não dizer amém à vontade de bem querer com a qual o lobo tenta nos abocanhar: ele sabe que criar(se) também é doar. Deveras, quase fui santa quando fui acolhida pela boa ventura do Amor (In)condicional, aninhei-me no feitiço da Forma de Mulher Ideal. E quase afoguei-me... Como Narciso, encantei-me com a imagem de Beleza e Perfeição: pura fachada do (des)encanto. Porém, eu não cedi,  percebi que o reflexo se desmancha através do toque mais sutil na superfície do espelho d'água e emergi. Ao contrário de Narciso, eu não busquei encontrar tal imagem cativa. Não sucumbi à fantasia. Estou aqui. Inteira. 

Entretanto, para os moralistas eu fracassei. Eles não entendem que ganhar(se) envolve uma perda. A economia que fazem para poupar-se do sofrimento turva a visão que possuem do tempo: são morais, coerentes, bem articulados - mas ressentidos, vazios, incompletos. Escravos de uma promessa, uma recompensa que não permite criar a felicidade do presente. Sou  um erro para os moralistas: porque eu estou livre da má consciência, não me culpo (e a ninguém) pelo passado e não vivo às custas da certeza do futuro. Não sofro recaídas quando tentam me seduzir com suas idolatrias às ideias abstratas, numa perspectiva dos sarcófagos que mumificam o Ser. Os moralistas me veem como uma objeção à maturidade do sagrado, um desafio (novo?) à redenção pacificadora dos ânimos e paixões exaltadas: sou apenas a mulher profana, a ovelha que fugiu do rebanho. A mulher que preferiu gozar em viver com prazer pela vida, ao invés de refugiar-se na ficção eterna de uma alegria póstuma confinada nos jardins regozijantes (???) do Paraíso.

Sabes tu como os moralistas nos enganam, nos enfeitiçam com fórmulas narcísicas da (pseudo) felicidade? Quando nos possibilita o conforto da mesmice, de não ter mais que lidar com o inesperado, com o acaso;  domesticam a criação de novidades, pois assim acreditam que nos tornamos melhores. Qualquer um perde o tesão pela vida quando o sexo torna-se a expressão do entendimento "do homem que sou", isto é, quando exige que seja uma força racional ao invés de expressão da criação. Qualquer um perde o tesão pelo gozo da existência quando não enxerga na vida (e no sexo - o ágon desejoso entre opostos) uma novidade, uma surpresa que intensifica o ato de criar (se). 

Viver como um santo é viver um amor medíocre, que nunca se renova, que se apaixonou pela satisfação com a estabilidade que um relacionamento "sério" oferece: torna desnecessário postular desafios, novos empreendimentos, novos jogos ardis que não sacralizam nada. Tornar o amor "sério" sufoca, vai ao encontro do que não podemos encontrar, pois está no além do amor. O amor é desejo de uma vida profana da pura contradição, do fluxo do devir que destroi e se renova a cada momento. Amar - nesse sentido humano - não é para santos, é tarefa para a caridade profana, que se joga no corpo, com o corpo, pelo corpo.

E se não enxerga a mim como uma mulher profana, não me reconhecestes como humana, gente que tem forma de gente. Não me tocou. Não me quis. Desejou a santa, o permanente, a segurança que a materialização do Ideal oferece em contrapartida às surpresas do acaso. Entretanto, como santa sou um fracasso na cama....Fatalmente um dia isso se tornaria um entrave... Velar o corpo com a pureza que santifica o amor o torna feito de mármore: rígido, pálido, sem cor. Só posso amar quando sinto que o amor é plasticidade, é ir-se, é criar. Quando amar é surpresa que não se prosta no presente, no já conquistado (será?), é sempre possibilidade que não se esgota no tempo. Só posso amar quando não há embaraço nas impressões...

Só quem se presta ao profano pode amar pelo instinto do devir da vida como pura transformação. Quem é profano não ama a soberba que ostenta a conservação do amor, pois deseja vê-lo renascer a cada momento... Os moralistas condenam a alegria do profano porque estes verdadeiros amantes da vida não tornam o amor "sério", mas inocente: como criança que não tem noção do perigo que corre, do que pode encontrar no fundo do lago, eles simplesmente se atiram...  E todo amor sempre é o primeiro que suspira e inspira o viver... inesperadamente, amor.

(Imagem: Narciso, pintura de Jorge Duarte, 1986) 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Pode ser a gota d'água?

Novidades... a cada alvorada. Deixar que os pensamentos transbordem para dar lugar à serenidade de tentar.

Um espanto, um suspiro, e outra angústia que se desfaz. Não sofro de noites passadas: manifestam apenas a ruptura com enganos fatídicos, quando desvelados, não retornam como promessa de repetição. Levanto outra todos os dias, renovo os ares como o outono renova o verde primaveril. Assim como o dinamismo das estações destroem o antigo para dar lugar ao novo resplandescente, movimento minhas ideias e meus passos em direção ao porvir. Entretanto, nem sempre tal impulso de descostrução/construção se mantém no espaço que a ele é concedido.

Naturalmente é comum ultrapassar espaços. Nem sempre tal invasão é intencional, ao contrário, pode até mesmo intentar a demonstração da grandeza de um sentimento. Porém, tal pretensão ingênua pode vir a desmoronar outros propósitos. A natureza nem sempre cabe numa bola, levando-a a expressar sua força desmedida, violenta, quando não suporta mais ser o que não é. A natureza é grande. Dentro de nós também está presente esse cataclismo natural: impulsos, sensações, desejos que querem imprimir a sua força no mundo, mas são tolhidos pelo dever civilizado de não "invadir" a liberdade alheia, não sucumbir o indivíduo que somos para si e para o outro... Pois bem, meu caro leitor, a proposta de se renovar às vezes foge ao nosso "controle". Mesmo intuindo criar novas perspectivas, se esbarra nas anteriores, nas cercanias da distância necessária mas invadida pelos deslizamentos não intencionais. Entretanto, quando se evidencia que escolhemos um local inapropriado para construir a morada de ser, não devemos insistir em lutar contra a fatalidade provável: deslizamentos são comuns em áreas cujo solo é instável e poroso. 

 Não é com atropelos torrenciais - mesmo que poéticos, mesmo em sua graça e ingenuidade -  que se mantém o elo com os afetos que se encontram na terceira margem... Não é com a força que a natureza demonstra serenidade diante as transformações que sofre. Paradoxalmente, também não é com a força que demonstra a força que possui para mudar: ocorre no tempo que passa e constroí desconstruíndo...

Deveras, manter cercanias como coadjuvantes de qualquer renovar nos assegura notar um espaço em que o curso das mudanças propostas devem respeitar. Não deve ser um desmoronamento de emoções, tampouco construções duvidosas sobre terrenos erosivos ou dunas que permanecem sobre a tutela do curso do vento. Não é transbordando soluções que o tempo reconstrói vazios, lacunas, aresta deixadas em outras eras. Nem é esboçando paisagens pitorescas que convencemos o espectador da maestria alcançada em orquestrar nossas paixões. Entretanto, certamente a beleza é notória e reconhecida pelo espectador quando o protagonista abandona a intenção de se adornar com imagens agradáveis e atua na superfície de tentar ser....possível. Porvir. 

  

domingo, 24 de abril de 2011

Vontade, menino.

Ah, que vontade que tenho de ligar, de se perder em um milhão de palavras que significam no fundo apenas uma e incomensurável coisa: amo você. Mas não posso. Ainda não. Ah, que vontade de olhar dentro dos seus olhos cor de outono e fazer-me tua, como na primeira vez... Mas não é a hora. Ah, que vontade de abraçar-lhe deixando-lhe chorar como um menino, afagando-lhe as bochechas e dizendo que mesmo machucado, podemos brincar e fazer arte juntos. Mas não sei se acreditará que pode mesmo jogar comigo. 

Ah, que vontade de amar e a amar cada virtude, cada defeito, cada silêncio seu, cada palavra de afeto. Mas agora, preciso ficar só. Ah, menino de coração ansioso, que vontade de acordar ao seu lado como Mulher que descubro que sou. Mas ainda é cedo e o dia não clareou. Se eu pudesse, correria agora mesmo em sua direção, gritaria teu nome só para você ouvir-me num sussurro, numa só nota musical. Mas agora não é o momento de improvisar melodias. Ah, menino, como eu queria lhe presentear com um jogo de futebol rubro negro só para vê-lo vibrar e torcer pela vitória (nossa?).

Ah, como suspiro a cada alvorada uma nova vida, como tenho vontade de dividir essa alegria que sinto com a mesma alegria de outrora que encontrei ao seu lado, mas preciso recuperar o fôlego para não afogar nas espumas do mar depois de tanto esforço em passar pela arrebentação das ondas... Ah, menino, que vontade louca e renovada de estar ao seu lado e lhe ver sorrir, lhe ver chorar, lhe ver dormindo como menino, encolhido na cama. Ah, se eu pudesse, inventaria um jeito de chegar perto de ti sem que me notasse, só para te proteger do frio, fazer cafuné enquanto tenta dormir, contar piadas quando tivesse triste, pra garantir que cada dia seria tudo novo de novo. Mas ainda estou aprendendo comigo mesma como posso compartilhar a pessoa maravilhosa que sou sem querer ser a mulher ideal que sonhou...

Ah, como eu queria saber se você ainda sente aquele friozinho na barriga quando demonstro o carinho e afeto que tenho por ti, como eu queria ouvi-lo dizer que sabe muito bem que a forma que tenho neste momento para mostrar-me a ti sem que me veja é desenhando palavras. Como eu queria que entendesse que só me esforço em manter um elo de afeto, que não quero criar situações desconfortáveis, tampouco parênteses entre tantas colocações difíceis de digerir... Mas não posso falar quando tu me lês... Quanta vontade, menino, de carregar seu amor em meu peito, de ser uma parte gostosa de sua vida, de lhe dar vontade de sorrir quando me vê passar. Mas tudo que posso é esperar e ocupar o espaço vazio que deixou com novas perspectivas, mesmo que não venha me buscar... 

Ah, menino... Teu coração ansioso dispara ainda em minha direção? Quantas perguntas e mais perguntas eu queria que respondesse, mas é melhor acreditar que no fundo tem um pedacinho de mim no seu peito que pulsa forte, que lhe dá vontade e mais vontade de saber o que é isso que chamamos de amor. Quanta vontade de ouvir sua voz suspirando em meu ouvido, chamando pelo meu nome e dizendo que sente saudades, que ainda dorme do "meu lado" da cama só pra sentir-se mais pertinho de mim. Ah, menino, queria  vê-lo descendo a rua, parando na porta da minha casa, esperando que eu abra o portão e ouça com atenção a minha música favorita, que sempre deixa tocar quando eu chego. Ah, menino, queria que não tivesse pressa de partir nunca mais ... Mas agora é hora de recolhimento, de ficar quietinha esperando a chuva passar.

Queres ainda andar de mãos dadas na praça? Tomar sorvete domingo à tarde, vendo filme na tv? Queres fazer outro macarrão (pois sabe que adoro) só para me agradar e me ver saborear taças de vinho? Queres me levar no alto do Ibituruna pra ver o pôr do sol? Queres se agarrar a chance de refazermos cada história? Como eu queria saber se minha intuição acerta quando me leva a acreditar que um amor cativo fortalece ao invés de esmorecer após passar por turbulências, mas é preciso dar espaço para que não nos tornemos dependentes do que passou... E pousar no que pode ser amanhã.

Como queria ter domingos e mais domingos contigo... Mas agora precisamos reformar a semana.
Como tenho vontade de ama-lo desse jeitinho que você é. Mas não quero atropelar nenhuma hora que seja necessária para tentar reconstruir nossa casa. 
Como eu queria...
Quanta vontade, menino... 

sábado, 23 de abril de 2011

O que queres encontrar?
Olhe nos meus olhos e diga
O que queres encontrar?
Quero ser de verdade
Gente de carne e osso
que só peca quando desiste de tentar
atentar (se),
quando não entende que o amor
muda tudo
de dentro
e de fora.
É, Mulher.
Descestes da Ideia
e tornastes humana.
Agora é permitido a ti
sentir dor
gozar num dia frio
amar sua silhueta
sem apagar uma curva.
É, Mulher.
Aprendestes a olhar pra dentro
Sem culpar (se)
E achar que deves ser a
vontade do mundo.
Tu és sua agora.
Você te pertence,
Mulher.
E representa em tua arte
de recolhimento
o que tu queres de si
e de quem estiveres repousando
em tua cama.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Aurora

Expirar...
Saber adiar vírgulas
para desanuviar enganos.
Estar segura
sentir-se pronta para
confiar no jogo
sem trapaças
ou atropelos acidentais.

Depois do engano
desvelado falsas impressões
depois de encarar as horas
que desperdicei mudando
os móveis errados de lugar,
depois de encarar as horas
que desperdicei convencendo-me
que eu podia mudar o mundo
sendo que o mundo (meu)
permanecia inerte,
Eu vi.
Eu soube.
Eu entendi.
Mudar dentro de mim
é mudar o mundo
que amo
e compartilho.

Separar
também é rever como encarar
as mudanças e o dinamismo de valores
em questão.
Amores
em discussão
e não no funeral.
O luto se foi...
Segunda feira passada
meu calendário passou a contar os dias
por mim.
Passou a angústia.
A dor.
A falsa expectativa.
A vontade de perfeição.
E happy end hollywoodiano.
Sou carne,
admito e perdoo tropeços.
Meus.

Agora,
e daqui em diante,
Meu corpo se expõe, nu, em carne viva,
aos ventos ardis do porvir
venha,
amanhecer divino que encerra um ciclo
de frustrações.
Agora,
contemplo de pé
a aurora
que sou.
            
                                          

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Don't go

Sou Eu
sendo eu
no verbo
transitivo
direto
e
indireto.
Com os pés descalços
unhas pintadas
cabelos curtos
e batom vermelho.

Por eu - um jogo
um A(s)
Eu ou não-eu
é a questão
Percalço o primeiro caminho
no espelho
sou eu
sendo eu
Engrandeço minha
energia de Eu
para um dia
poder haver nó(s)
   por dois
   Eus
(im)pares.

O falo

Escrevo por impulso.
Sim, Clarice.
Preciso deixar que essa Mulher fale.
Eu. 
Não silencio mais a minha voz.
Sou versos livres
soltos na imaginação
de quem lê minha pele
Voo fora da asa de todos
e de ninguém.

Porque meu nome 
não se pronuncia se não for 
Eu.
É mais bonito assim.
Sim, Manoel.
E livre de qualquer compromisso
com idealismos sem romance
nem sei porque são ideais se são frouxos de amor.

Sabe,
vivo uma emoção que se soltou
da garrafa.
Como champagne
Espumando
borbulhando
fazendo cócegas no nariz
provocando risos e mais risos
em mim.

Falo.
Se escuta-me...
Não deixo de falar
Mulher.

domingo, 17 de abril de 2011

Lolita

Deixei-me mostrar pela metade.
É, eu sei, mulheres são tolas
Permanecem na fantasia erótica do outro
mesmo depois de experimentar
ser Mulher.
O que ele queria era a Mulher
Era EU.

E fechei a cortina...
Fechei a cortina para fazer mistério,
Ele não entendeu que era pra entrar
e tomar-me sua.
Ele não viu nada além de minha silhueta.
Era pra ser espontâneo
o que foi teatral.
Eu quis fazer amor,
Mas você estava só a me olhar pela cortina.
como se não pudesse mais me tocar
Ele me velou
ele me admirava
sorria e trazia chocolates
Mas não me tocava como Mulher.
Fui sua menina
Ele me protegeu de si mesmo
E eu só queria
Ser a Mulher...

Permiti que mexesse em mim
e me visse entre um balançar e outro
de uma brisa que soprava pela janela,
Mas não tocou-me.
Não atravessou a cortina
Sua mão deslizou pelo meu corpo,
Mas não o reconheceu maduro
De Mulher.
Ele via Lolita.
Queria a Mulher.
Mas fugia da Mulher
Pra se acomodar na insegurança
de Lolita
Sem porto.

Dormi.
Estava exausta
Lamentei não ter ido pra cama com ele,
assim, como sou
além da cortina
Mulher.

Quando acordei,
era noite,
chovia,
não havia luz elétrica.
vesti uma camisa velha que estava pendurada na porta
E ele havia ido embora.
Sem me conhecer.

Me aproximei da janela,
ascendi um cigarro,
Ele me viu
Sem nada que turvasse a visão
Mas estava longe...
Permaneci ali,
parada, desejando tudo sem pedir nada
em troca.
Ele só via Lolita
E queria a Mulher.

Deu-me um sorriso menino
Aquele de quem nunca viu
uma mulher nua
Mas ele se virou, atravessou a rua
E partiu sem saber
que meu nome era EU
A Mulher.

Ele só via Lolita.

Dança das cadeiras

"No jogo do amor vale tudo." Será que vale mesmo?

Acho que essa assertiva é um tanto perigosa. Por exemplo, em uma relação, todos almejam um amor incondicional. Entretanto, vejo um problema sério na definição de "incondicional". Se considerarmos, sem maiores especulações, incondicional é, ao "pé da letra", obviamente, "sem qualquer condição ou condicionamento". Não acho que seja assim, pois vejo que amar o outro implica uma condição a priori: desapego. E está condicionado à seguinte prerrogativa: o amor não reside em nenhum coração que pulse pelo sangue dos outros, que está do lado de fora do próprio corpo.

Permita-me ir um pouco mais longe. O ato de amar começa em nós mesmos. Quando nos amamos, driblamos a solidão e experimentamos uma felicidade que não é clandestina, porque brota como uma água que é da própria fonte. Amar a si mesmo já é viver o amor, isto é, a benfazeja do amor e da felicidade não depende de um outro que preencha o vazio de não amar. Esse vazio é provocado pela ausência de nós mesmos, pela falta de amar a si como amaria qualquer outra pessoa - o que torna a solidão um "problema". Quando sentimos falta de alguém, na realidade, é a falta que nós mesmos nos faz... Nesse sentido, o outro não preenche este "vazio de eu", mas acrescenta e compartilha o ser feliz de cada um. Se responsabilizamos o outro pela nossa tristeza, é porque não admitimos que a tristeza é um miasma que se desenvolve pela auto insatisfação... O outro é só um escopo, onde apontamos uma causa culpada para não encararmos que nós mesmos somos responsáveis pela dor que nos aflige... É neste momento que a solidão torna-se um problema, que a falta consome nosso ânimo e desprendemos todos nossos pensamentos e emoções para fora de nós ao invés de volta-los para quem somos - tornamo-nos ressentidos e culpados por não sermos quem o outro esperava que nós fôssemos, esquecendo-se que tal ressentimento é gerado por não admitirmos com toda expressão e força quem somos. 

Deveras, depois que beijamos o príncipe encantado ele vira sapo.

Amar alguém não é mímese, é dinamismo. Não é um monólogo de uma personificação unidimensional: não há um Deus Ex Machina que amarra todas as pontas pra dar vasão à expectativa criada pela narrativa... A construção complexa de um amor a dois não afere a renúncia de ser "eu" para enaltecer a felicidade do outro; uma relação a dois não tem primeiro e segundo lugar, todos são primeiros em valor e importância, não há concessão de privilégios a um "mais fragilizado" em detrimento do outro "mais forte": pois somos força e fraqueza ao mesmo tempo. É a compreensão e não a primazia de um sobre o outro que garante a potência do elo... Colocar o outro num cargo de chefia da relação somente confunde amor com trabalho, rotina, cumprimento de metas idealizadas e inatingíveis: é isso que gera o desgaste, a apatia, a sensação de uma "felicidade infeliz"; o outro torna-se "seu dependente" ao invés de companheiro. A "parceria" se esgota, a intimidade desaparece (relação entre "funcionários da mesma empresa" não são admissíveis em boa parte das instituições...) e o amor torna-se frustração, desejo inacabado, ausência. E tudo pode começar com a ausência de manter a autonomia de ser o que tu és...

Voltemos à questão que levantou minha curiosidade: no amor vale tudo? Sim!

Valer tudo permeia valer dois amores próprios que se enlaçam na mesma teia... É valer-se de si em tudo. 

E tenho dito: amar-se como o és faz qualquer um capaz de amar quem o outro é. Não é narcisismo se amar, é narcisismo achar que a perfeição alcançou sua forma plena em seu reflexo no espelho...O que passou, desapeguemos depois de testar os próprio limites, sem entretanto perder a delicadeza de se renovar em outra chance. Os desacertos de outrora não há como apagar, porém, é uma oportunidade para criar resistência para uma nova partida, uma nova rodada: o último romance sempre é uma novidade posterior. O amor já vivido nos traz de volta ao porto seguro que reside no em si de cada um. 

Minha saudade é autoreferencial...

Sem faltas...

E quando o outro chegar...