segunda-feira, 27 de março de 2017

Outono


Campo de flores amarelas - Van Gogh, 1889

Quando um sentimento tão sublime
vive de sua própria seiva
da luz indireta sobre sua folhagem
e desabrocha
e floresce
e padece
num ciclo de vida e morte
onde o que resta é a memória
das mais belas flores mortas. 

segunda-feira, 13 de março de 2017

Velhos e novos valores



Amar e mudar as coisas me interessam mais. Mas me proponho outra assertiva a partir dessa poética de Belchior.

Me lembrei dessa passagem da música "alucinação" logo após conversar horas a fio com um amigo sobre o quanto somos expert em complicar os sentimentos. São tantos "e se" que teimam em evitar novos (?) começos que por vezes nos comportamos como meros passageiros apreciadores da paisagem na janela. E, vendo tudo passar, o que fica? A imaginação quase infrutífera de como poderia ter sido e ... não foi nada? Ou a expectativa de guardar as experiências para o futuro, que nada representa além de uma promessa de felicidade?

Será que o amor seria algo tão propenso a causar dor que acaba nos calejando a cada ciclo de frustração? Creio que não. Esse calo é calcado por nós mesmos, quando nos deparamos com questões de foro íntimo as quais não queremos lidar e, por isso, as abandonamos entre uma história e outra. Nem todo mundo está disposto a olhar para dentro de si e se perguntar o porquê do fracasso nas relações, numa auto avaliação em que se busca reconhecer as limitações e as inflexibilidades. De fato, é evidente que não há receita de bolo para o sucesso quando estamos falando da incomensurabilidade de ser humano. Para cada um as coisas tendem a funcionar de modo diferente. Porém, é possível elaborarmos um consenso que de certo modo serve de sedimento às relações e sem abrir mão da singularidade: aquela coisa aristotélica de encontrar um caminho do meio evitando-se as extremidades pode ser um deles.

Aristóteles defendia que o fim último do homem é a felicidade. O calor do pleonasmo conduz à conclusão um tanto apressada - e já contrária ao pensamento aristotélico, nesse contexto em que estamos nos apropriando dessa interessante reflexão - de que essa felicidade se encontra num tempo ou num lugar que eu não habito e devo buscar. Na verdade, o estagirita sugeriu que nossas ações tem como fim a felicidade, que não vamos fazer algo premeditadamente para sermos infelizes, embora isso possa acontecer em virtude das próprias decisões (ou da ausência delas) que tomamos. Essa felicidade só é possível de estar em mim quando eu me submeto a avaliação contínua de minhas ações e pensamentos, do que me norteia e serve de estímulo a novas investidas. Sem essa atividade, há um sério risco de continuarmos repetindo os mesmos ciclos, empregando as mesmas energias em contextos diferentes, mas que conduzem ao mesmo lugar de outrora, marcado pela dor, pela mágoa, pela frustração já conhecida. Sem essa atividade, o amor oscila entre o excesso e a falta: me entrego às cegas para evitar a solidão a qual nunca me dispus a pensar a respeito ou me retraio e me fecho numa concha para não se abrir a nenhuma nova história. 

Ora, o que não se compreende por puro medo do que pode vir a encontrar dentro de si é que os dois comportamentos são causadores de outra espécie de sofrimento, embora ilusoriamente acreditemos que estamos evitando-o. Não se evita uma contingência. Mas é possível dribá-la ao construirmos novas formas de recomeço, ao transformar o amor em potência em atividade, numa inesgotável tarefa de lidar com as experiências de coisas reais. Sem trabalho, não há como simplificar a equação de nossos sentimentos, nem mudar a direção para onde eles nos conduzem. Sim, amar é mudar as coisas. E isso deve nos interessar muito mais. 



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