domingo, 29 de maio de 2011

Querer e não querer.

O coração não chega num consenso. Nunca.
Saber e não saber.
Seguir ou não seguir em frente.
Colocar um ponto final na história ou usar ponto e vírgula.
Caminhar.
Ou correr.
Ou fugir.

Aquietar-se.
Ou sair pescando flertes.
Deixar que o desejo transborde,
(não amo só por 24 horas)
para
Encontrar o novo.
Talvez o novo seja apenas uma (re)interpretação
mais coerente com o corpo de dois.
Ou esperar.
Esperar.
Esperar.
Sinal amarelo que não fica vermelho nem verde.

Tem horas que o amor é assim, cartesiano.
E precisa de Deus.
Pra provar que existe.
Esse cheirinho de transcender amores
me deixa assim,
querendo e não querendo
amores.

Ou
Ou.


 

Para Chronos e Eros.

Como? Sim, construir e desconstruir paredes.

Não, não estou reformando a casa. Eu a derrubei. Mudei-me para outro lugar, onde posso lidar com os limites do meu próprio jardim sem pisar nas flores que plantei. Quero vestir-me nua pra não ostentar um amor paranormal. Sou filha da terra, plantada no dinamismo das estações. Quero sentir novamente o frescor primaveril de amores possíveis que não se escondem no medo de não se concretizar.

(Re)Começo a contar do zero, ainda não há unidades. Mas sou possível. Sim, espero alguém. Paciência.  Alguém deve entender que o tempo dos humanos é efêmero, por isso, nem a paciência pode aguardar eternamente a supressão da falta, da carência. Deveras, meu caro amante, o amor deseja não caducar.

Não, eu não desconfiava de nada. Precisava ouvir uma palavra, um gesto que não fosse confuso, uma sentença em que eu não fosse a causa principal da infelicidade que não era a minha. Não sinto culpa. Assumo de peito aberto meus erros para não repeti-los, mas não me culpo e nem culpo ninguém pelo meu próprio engano. O outro se torna um buraco negro quando não fala da comédia da vida entre quatro paredes: se torna  uma ovelha asceta, profundo, cheio de segredos e esperanças além da vida. Se perde dentro de si, por puro receio de ser quem é e desagradar os jurados. Daí, quem está envolvido também se perde... Se imobiliza, com medo de ordenhar um corpo que apenas quer aquietar-se... Não quero esse amor ressentido, preso a imagem do que passou como se fosse a última quimera, o último suspiro de vida. Amor também é dinamismo. 

Saí. Pronto. E não olho pra trás. Não abro portas que traem a natureza e as estações de cada um. Isso me inclui. Quero meu corpo e meu gozo. Não falo gramática, falo de amor. Como chamar de "casa" um lugar feito de falsos espelhos que distorcem a imagem do tempo, aprofunda o amor numa perspectiva de ontem e distorce a imagem que é possível contemplar? Amor é um tempo mosaico: não vale a pena estragar a sua beleza com partículas mesquinhas que insistem em se encaixar, mas não tem espaço.Quero atenção e não um mar infinito de poréns... Três poréns que ressalto:

Ter forças para se distanciar quando o desejo é estar tão perto...
Calar-se quando quer dizer mil coisas vãs que tens medo de ouvir...
Confiar que amar resiste ao tempo mudo da incerteza da reciprocidade.

Quantos paradoxos de tempo e amor.

Porque ser feliz é sofrer e sofrer e amar sem deixar de sofrer...
Não dá para amar ignorando o sofrer e ser feliz ao mesmo tempo...
É uma equação complicada: ter o destino nas mãos e sentir-se completo enquanto há tanta falta...
É uma economia que pode desperdiçar: tanto amar que entrou pela porta e fugiu pela janela.

Percebe?
É viver e pronto.
No corpo que padece.
Amar.
No tempo que se move.

terça-feira, 17 de maio de 2011

(Re)inauguração.

Sim.

Sentimento do mu(n)do.

Em silêncio pronuncio afeto,
                                  amor,
                                  devaneios afins,
                                  desejo.

Hoje o dia amanheceu
leve,
inocente,
ingênuo.
deu até vontade de chorar de alegria
tamanha beleza que vislumbro a cada suspiro.

Abracei a vida.
E ela correspondeu ao carinho.
Entre dores e amores
Acertos e enganos
Pintura e escultura
Jazz e bossa nova,
sigo assim, feliz.
Sem culpa por não sofrer em ser feliz.
Sem pecado.
Sem mácula.
Feliz inocentemente como uma criança,
que ri do que não tem
a menor graça.

domingo, 15 de maio de 2011

Ex-Mágico? Uma ode existencial a Murilo Rubião.

(...) Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma. (...)
Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém. (...)
Rolei até o chão, soluçando. Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.(...)

Murilo Rubião - O Ex-Mágico da Taberna Minhota.


Em que podemos de fato depositar credibilidade? São tantas possibilidades de verdades e mentiras, há tantas formas de interpretação do que vemos, ouvimos ou pensamos. Nada é permanente, não tem nada que funde uma convicção que perdure eternamente. Se isso vale para as coisa palpáveis que damos nome, forma, cor e tantos outros predicados, imagine então como é para o amor... Tão indizível que é, parece éter, parece mágica.

Se iludir é tão fácil... Criar ilusões que fazem de nós um truque, também é simples: basta que nos ausentemos de ser quem somos por puro receio de não agradar, de não ser "bom demais" para o outro, para o mundo... Daí, sequer representamos um personagem; nos velamos, nos castigamos por não sermos belos demais... Ledo engano... O belo está em ser humano, demasiado humano (Nietzsche e sua potência de vida), em toda sua vivacidade contraditória, defeituosa e deveras extrema élégance quando cria coragem de ser afirmação.

Neste jogo polarizado entre bem e mal, certo e errado, amar e não amar, as vezes nos perdemos. Porque queremos ser a magia na vida do outro, queremos oferecer um sonho, uma quimera, uma promessa de felicidade (Stendhal?). Porém, apostar nessa forma interpretativa do desejo do outro contraria o próprio desejo de ser amado como somos. É desejar ser mágico mesmo sabendo que somos humanos. Como o ex-mágico da Taberna Minhota, só que às avessas: pois cortamos nossas mãos esperando vê-las crescer novamente e nos surpreendemos com a fatídica realidade: mágica, meu caro, só no universo fantástico de Rubião. Aliás, se minha memória não falha, neste conto de Rubião o mágico em questão desejava deixar de ser mágico, de ser admirado por seus truques tão surpreendentes, mas ilusórios. Ele sabia que ser mágico é estar só com seus truques, é ir de encontro a uma solidão avassaladora: pois ser um truque é ser também uma piada que somente ostenta o gozo do outro...

Nem mágicos ou ilusionistas querem ser o que não são: mágicos. Nesta perspectiva, arrisco dizer que é contrário a lei de nossa própria natureza nos afirmarmos pelo o que o outro quer que sejamos. É cruel não admitirmos nossos próprios desejos em nome do bem querer de outro - em jogos de amor, não pode haver anulação de nenhuma das partes. Além de cruel, é estupidez, pois tão logo a ilusão é desfeita, o amor se esvai... 

Amor se sustenta pela fantasia, pelo inusitado, pela expectativa: mas não pela ilusão. A ilusão mesma, por si, também não se sustenta: se não somos perfeitos, adivinhos, nem mágicos, certamente haverá um momento em que não mais conseguiremos corresponder à demanda afetiva-libidinosa do outro. Consequentemente, nossos truques serão insuficiente para ostentar a promessa de felicidade (eterna?)... Truques não são algo em comum  entre o mágico e o espectador: o mágico faz o truque que é admirado pelo espectador, que por sua vez se satisfaz com a ilusão que se esvai ao fim do espetáculo... Por isso, mágicos ficam só: pois doam ao outro uma imagem (de amor) que é para usufruto do espectador , sem a reciprocidade da alegria, do prazer, do amar...

Deixei de ser mágico. Não exerço mais este ofício. Jogo um jogo que agora tem as minhas rainhas e os meus reis. 

Ex-mágicos ostentam quem é sem o adorno da ilusão (causação de picadeiro) de outrora. Se fazem feliz sem os truques. Todavia, como o Ex-Mágico da Taberna Minhota, todo ex-mágico caminha só. Mas não faz piadas (de si) que o torne agradável ou especial, ou surpreendente ou "melhor de todos". Não é mais uma figura jocosa de mulher, de homem, de amor. O amor de um ex-mágico não é um coelho que retira da cartola. É coisa da terra e do corpo, feito de gente. E este amor que encontra sem truques (por si e para o outro que queira o acompanhar sabendo que é ex-mágico) talvez quem o ame não o reconheça. Talvez nem o reconheça: como ex-mágico, você sabe, é possível sempre se recriar... O único truque do qual ex-mágicos  não se desfazem... 

Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico.

De Ex-Mágico para ex-mágico.

domingo, 1 de maio de 2011

O espelho de Narciso.



Por que escrever?

O que me dispõe a escrever?

Liberdade. Aqui não há máscaras metafísicas de perfeição. Sou eu. No corpo. Em fluxo. Mas a escrita, para mim, não é movida somente pela paixão e contradição que sou, mas também pelo desafio. Imaginas tu o que me desafia? 

O mudo da medida. Esse mundo ilusório da perfeição, da permanência, da felicidade ressentida. Ter que medir, amar como um moralista, que só enxerga o ser nos sonhos de ventura. Isso me desafia porque sou excesso, sim, pura vontade de viver cada boa fortuna, cada desentendimento, cada deslize, cada beijo roubado. Sim, sim, sim!!! Escrevo porque a vida explode dentro de mim, um amor que precisa sair e se expressar como amor que diz sim: sou impulso que quer se expressar como criação. Mas o mundo da medida quer que eu interprete a santa quando sou a profanação do que é sacro...

Vaca profana do querer: não sou pura, nem prática -  sou criação de morte e vida que o mundo prende numa Forma. Foi necessário uma (re)descoberta do tempo perdido (menção a Proust) para eu entender por que os gênios vivem em uma lâmpada: eles sim são luz, iluminare. Mas o mundo quer que sejamos santos. Não há espaço para o gênio. O mundo da permanência não suporta sua força excessiva, é ofuscado pela alegria de viver sempre em perspectiva de renovar-se, criar-se, ser outro. O mundo quer que sejamos santos. E hipócritas. Estou num mundo da supremacia do entendimento, mas que não consegue compreender-me: eu mudo de pele. Eu posso e aceito viver na aparência ao invés da ilusão. Assim eu resisto, não me rendo à castidade do impenetrável.

Mas não é fácil resistir: quase deixei-me levar pela má disposição afetiva que a estabilidade e segurança de ser santa oferece. A ilusão, como lobo, se disfarça em pele de cordeiro. É difícil, assim, não dizer amém à vontade de bem querer com a qual o lobo tenta nos abocanhar: ele sabe que criar(se) também é doar. Deveras, quase fui santa quando fui acolhida pela boa ventura do Amor (In)condicional, aninhei-me no feitiço da Forma de Mulher Ideal. E quase afoguei-me... Como Narciso, encantei-me com a imagem de Beleza e Perfeição: pura fachada do (des)encanto. Porém, eu não cedi,  percebi que o reflexo se desmancha através do toque mais sutil na superfície do espelho d'água e emergi. Ao contrário de Narciso, eu não busquei encontrar tal imagem cativa. Não sucumbi à fantasia. Estou aqui. Inteira. 

Entretanto, para os moralistas eu fracassei. Eles não entendem que ganhar(se) envolve uma perda. A economia que fazem para poupar-se do sofrimento turva a visão que possuem do tempo: são morais, coerentes, bem articulados - mas ressentidos, vazios, incompletos. Escravos de uma promessa, uma recompensa que não permite criar a felicidade do presente. Sou  um erro para os moralistas: porque eu estou livre da má consciência, não me culpo (e a ninguém) pelo passado e não vivo às custas da certeza do futuro. Não sofro recaídas quando tentam me seduzir com suas idolatrias às ideias abstratas, numa perspectiva dos sarcófagos que mumificam o Ser. Os moralistas me veem como uma objeção à maturidade do sagrado, um desafio (novo?) à redenção pacificadora dos ânimos e paixões exaltadas: sou apenas a mulher profana, a ovelha que fugiu do rebanho. A mulher que preferiu gozar em viver com prazer pela vida, ao invés de refugiar-se na ficção eterna de uma alegria póstuma confinada nos jardins regozijantes (???) do Paraíso.

Sabes tu como os moralistas nos enganam, nos enfeitiçam com fórmulas narcísicas da (pseudo) felicidade? Quando nos possibilita o conforto da mesmice, de não ter mais que lidar com o inesperado, com o acaso;  domesticam a criação de novidades, pois assim acreditam que nos tornamos melhores. Qualquer um perde o tesão pela vida quando o sexo torna-se a expressão do entendimento "do homem que sou", isto é, quando exige que seja uma força racional ao invés de expressão da criação. Qualquer um perde o tesão pelo gozo da existência quando não enxerga na vida (e no sexo - o ágon desejoso entre opostos) uma novidade, uma surpresa que intensifica o ato de criar (se). 

Viver como um santo é viver um amor medíocre, que nunca se renova, que se apaixonou pela satisfação com a estabilidade que um relacionamento "sério" oferece: torna desnecessário postular desafios, novos empreendimentos, novos jogos ardis que não sacralizam nada. Tornar o amor "sério" sufoca, vai ao encontro do que não podemos encontrar, pois está no além do amor. O amor é desejo de uma vida profana da pura contradição, do fluxo do devir que destroi e se renova a cada momento. Amar - nesse sentido humano - não é para santos, é tarefa para a caridade profana, que se joga no corpo, com o corpo, pelo corpo.

E se não enxerga a mim como uma mulher profana, não me reconhecestes como humana, gente que tem forma de gente. Não me tocou. Não me quis. Desejou a santa, o permanente, a segurança que a materialização do Ideal oferece em contrapartida às surpresas do acaso. Entretanto, como santa sou um fracasso na cama....Fatalmente um dia isso se tornaria um entrave... Velar o corpo com a pureza que santifica o amor o torna feito de mármore: rígido, pálido, sem cor. Só posso amar quando sinto que o amor é plasticidade, é ir-se, é criar. Quando amar é surpresa que não se prosta no presente, no já conquistado (será?), é sempre possibilidade que não se esgota no tempo. Só posso amar quando não há embaraço nas impressões...

Só quem se presta ao profano pode amar pelo instinto do devir da vida como pura transformação. Quem é profano não ama a soberba que ostenta a conservação do amor, pois deseja vê-lo renascer a cada momento... Os moralistas condenam a alegria do profano porque estes verdadeiros amantes da vida não tornam o amor "sério", mas inocente: como criança que não tem noção do perigo que corre, do que pode encontrar no fundo do lago, eles simplesmente se atiram...  E todo amor sempre é o primeiro que suspira e inspira o viver... inesperadamente, amor.

(Imagem: Narciso, pintura de Jorge Duarte, 1986)