domingo, 28 de junho de 2020

SMS. n.2



Oi, tentei te ligar, mas não consegui 
completar a chamada.
Talvez eu tenha esquecido seu número,
ou tenha me poupado de mais uma ligação perdida.
Hoje te vi na tv - 
na verdade, não vi
Mudei o canal quando você apareceu
Foi como trocar de memória
fazendo desaparecer, como a imagem na tela,
a pseudo ideia de um espaço que eu nunca tive,
um tempo que nunca ocupei.
Em toda palavra escrita
há tantas outras não ditas
que ficaram engasgadas no silêncio
feito um nó na garganta que não me deixa respirar.
Uma ou duas taças de vinho
diluiram os dias mais longos
nesses versos mal escritos,
relembrando uma mensagem de texto, fria, sem vida,
como se o amor pudesse ser reduzido a 31 caracteres.
Minha língua não tem rima, não tem ginga, 
não dança com as palavras. 
Teço palavras livres - como um dia foi o amor que senti por você.



Imagem: cena do filme "Ela"(Her). Direção: Spike Jonze (2013). 

sábado, 6 de junho de 2020

Uma estação qualquer

O sábado chegou, reticente
nada diferente aconteceu
além do mesmo vazio que me vira do avesso,
expondo as entranhas até que desapareçam

Não adianta o telefone tocar,
o silêncio já disse tudo o que precisava ser dito,
colocando a contra gosto um ponto final no meio da frase 
- aquela que você não disse e jamais irá dizer - 
Tão dentro e tão fora, sem órbita
sem querer me perdi, errei o endereço,
pulei dois vagões e desci na estação errada
Tudo é outono, seco e sem cor

Preciso tanto ser, dessa afirmação,
dessa expansão de amor para além das construções perdidas
ao final dessa rua sem saída
como voltar agora?
Se tudo que viu em mim foram as sombras
os escombros do meu passado, enterrado,
feito fantasma lhe espantou para longe
do que um dia pudemos viver
Ontem tive um sonho 
nada restou depois que acordei, 
ainda sem entender, meio zonza, 
em busca de um café que desceu bem amargo
uma afirmação fria, de longe, sem olhar, sem tocar,
como se eu fosse algo do que deve se livrar
e deixamos na calçada para alguém levar
De tanto você temer o que eu mais quis esquecer 
tornou-se mais um capítulo pintado de cinza, 
outra história sem fim. 
Outra história de mim.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

A-maré

La tristeza de la primavera (detalle), 1970. Giorgio De Chirico

Uma viagem a dois
 - dois náufragos - 
você salta do barco
mergulhou em si
necessidade compreensivel
essa de aprender a navegar
no próprio mar de angústia
Porém,me deixou à deriva
esperando que fosse fácil
eu simplesmente me atirar ao mar 
e voltar pra casa a nado
Como pedir para quem decidiu
partir que fique e espere
a maré baixar?
a tempestade passar?
Nenhuma dor pode ser minimizada
mas para ti não doeu me ver
como a sua âncora que te arrasta
para o fundo do mar
Eu mergulharia contigo
no mar mais agitado, nas águas mais turvas
ou nas ilhas bem aventuradas
de águas claras e serenas,
se assim me permitisse decidir
entre a terra seca e o mar,
se assim me permitisse
ouvir seu pranto, seu canto
Não fui mais que um encanto
uma história de pescador que feito peixe
morre pela boca








terça-feira, 2 de junho de 2020

Viagem ao litoral




Acordar por dentro
quando a onda ainda arrasta teu corpo
olhando para a praia a cada mergulho
como se visse um filme por segundo
e todos se confundissem
as imagens se misturam
se sobrepõem umas às outras
e tudo que você precisa
é respirar... bem fundo sem perder o fôlego 
mesmo esse ar úmido e quente
que parece vir para cutucar o que sobrou lá dentro
para alertar quem está lá dentro fazendo essa confusão
para implorar que pare

Nem cheio nem vazio
só mais um rabisco sujo de areia que vai arder
quando estiver em contato
com as memórias que se foram
feito a espuma do mar que se desfaz
quando a onda se despede e leva tudo de volta
lá para o fundo onde não há luz nem vida
de onde talvez nunca deveriam ter saído

Um coração oco feito um barco vazio
mas isso passa 
a maré muda
deixando seu rastro e notas mentais
se se perder tenha calma
ainda há amor na beira da praia
então respire novamente e nade


Fonte do vídeo: arquivo pessoal.

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Amor líquido
Quando esquenta, não ferve
Evapora



Créditos da imagem: https://bit.ly/2BsLnll

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Um poema a dois

porque amor só é amor 
quando é livre para ir
para ficar
para ser vivido quando desejado
ou ser guardado feito um poema

mesmo que nada mais reste
além da memória
do gosto e do cheiro
de ouvir a sua voz
falando o meu nome
não posso
não consigo pensar em amor
que não seja liberdade

talvez eu tenha pressa
ou viva num tempo em descompasso
querendo caber onde não há espaço
sendo que já cruzei a fronteira
feito uma clandestina, me instalei
talvez eu tenha chegado tarde
num momento inoportuno,
no calor de um desejo inacabado
talvez eu seja o seu melhor sonho, mas
que se apaga ao raiar do dia
antes de poder ouvir que eu te amo.