terça-feira, 26 de junho de 2012

Um jogo a dois

Deixemos de lado as convenções.
Joguemos os dados
Apostemos nossas regras súbitas porque elas podem mudar
Não há motivos para privilegiar compromissos
Há mais compromisso na honestidade em declamar o querer
o desejar (te)
e vivê-los sem ocupar-se do futuro.
Sem planos
Já é um plano.

Sermos chamados pelo próprio nome é suficiente
quando estar junto
é o que mais importa.
Para o diabo qualquer título transcendente
embriagado em ilusões rasteiras de happy end
quando os versos tecidos entre os corpos
são livres
amantes
que não agonizam o que sentem por simples medo
de não ser-fazer-se(r) felicidades habituais
de desajeitar os afetos já conquistados
de prometer futuro
 - que por si só já é uma promessa inspiradora,
mas incerta.

Por que prometer amanhã?
Por que planejar a próxima semana?
Um dia vem após o outro...
Não busquemos fins pelos meios que não tem fim algum
apenas tecem entraves
dúvidas
sismas
que só pretendem tornar o que sentimos algo moral.
Não. 
Deixemos de lado as convenções
e o cuidado para ter tanto cuidado
sem cuidar do que realmente importa.
Tão simples.
Tão instantâneo
que confunde.
E nos leva para longe...
quando queremos
apenas
estar aqui
no paraíso que já seguramos em nossas próprias
mãos dadas.



domingo, 24 de junho de 2012

Outro

Não me impressiono somente com suas qualidades.

Porque adoro quando fica zangado e gagueja as palavras;
quando franze a sobrancelha porque não sabe o que dizer ou o que fazer;
é lindo ver seu mal humor e rabugice, é engraçado
sua falta de paciência com perguntas idiotas sobre o tempo... coisa mais fora de hora não há.

Ficou louca quando você não atende o telefone
quando não responde a mensagem.
Mas amo esse seu jeito de fingir que não está nem aí,
quando na verdade está aí até mais do que esperava...
Adoro seu medo de ficar pertinho,
de me confundir toda com querer e não querer,
de perceber que tudo isso fugiu completamente dos seu planos.

Não vejo só o que me agrada.
Quero mais.

AML

terça-feira, 19 de junho de 2012

Quadro sem tela, quadro sem moldura

Diante de tantos sabores e dissabores, não é difícil se confundir: entre memória e esquecimento, evitar e desejar o inesperado, quando é que crio e quando estou apenas me adaptando ao mundo já inventado? Por mais que deseje estar na superfície da vida, em suas terras nem sempre tão áridas, me vejo, às vezes, atada ao ideal romântico imperativo e categórico, que nos leva a recusar qualquer outro tipo de experiência que esteja mais a fim ao devir que às medidas padronizadas da vida.

Sem dúvida, é confuso: saber o que deseja mas não permitir que a vontade se potencialize e crie a própria forma... Por que deve ser consciente? Por que tem que haver um nome? Por que temos que fixar tudo o que nos rodeia? É difícil perder o hábito de simplesmente se adaptar ao mundo; de se encaixar no que equivocadamente é encarado como algo pronto. É tão cômodo, tão fácil, tão... preguiçoso. É típico da preguiça se adaptar: pra quê lidar com imprevistos, novidades, surpresas? É mais conveniente (???) simplesmente permanecer onde estou, com meu nome, meu RG, minha profissão, meu signo e meu ascendente, meu endereço. Pronto. Não precisa mais nada de mim. Ou melhor: não é necessário que mais nada em mim mude. E quanto mais o tempo passa, mais pesada se torna essa exigência de se fixar num lugar, num amor, numa convicção, numa (dis)forma de viver... Acho estranho.

Mas não nos enganemos: o tempo não é o vilão da história. É nosso pensamento raquítico que nos impede de ultrapassar o temor em ser o artista do próprio mundo. Para lamentar o passado, ressentir os desenganos e planejar, projetar o futuro, não há preguiça - o que, para mim, é um paradoxo. Não vejo o idealizar como um melhor; tampouco serve como garantidor de alguma coisa; é tão instável quanto o próprio fluir do tempo que nos esforçamos tanto para disfarçar...

Sim, quero viver um amor, uma paixão sem limite gramatical - mas ainda me confundo entre os verbos que exigem complemento e os que desejam liberdade. Não é fácil ser cria-dor de si, inventor de uma tela em cores, sempre em branco: isso é o mesmo que admitir a incerteza, a impermanência, e a vulnerabilidade de tudo que achamos ser definitivo, quando viver é, na verdade, infinitivo. Me encontro entre a moldura e a tela que crio com tinta e aguarrás, entre a vontade de se firmar (é, de fato, vontade??) e o possível; a vontade de permanecer (é, de fato, vontade??) e a mudança. Viver, assim como o amor, é estar sempre indo embora... O ideal é sempre uma forma de fadiga... Afinal, o que pretendo melhorar com um nome? Um modelo? Um status? Por que tem que haver mais, um além, um plano para o futuro? O que é que falta, se o que quero já está aqui, nas minhas mãos, em meu coração, em todo meu corpo?

É muito mais dadivoso não pretender se adaptar, não fechar-se numa moldura que projeta a vida e o amor para fora. Porém, é mais difícil por não preservar nem garantir nada, não acomodar-se em fórmulas prontas. É necessário criar e conquistar a todo instante: trabalho extra que queremos evitar após de um (des)encontro bem sucedido. Precisamos permitir que nos abandonemos às coisas sem medo de perdê-las,  que nos desembaracemos "de si".

Deixemos que o receio seja suspenso para que toda força embriagante crie e invente, responda à provocação em vez de cerceá-la com "e se": é só no tempo que a vida e o amor tem espaço para ser... sublime.

AML

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Deixe ela entrar...

(Pablo Picasso - L'etreinte, 1903)

Sair do óbvio que ninguém pode ver.
Com(e)on sense 
Ou ninguém quer ver
porque assusta
porque é a hora errada
que desprograma
e recomeça - é outra.
Medo gostoso de não saber
identificar
dar nome
De não prometer
nada
Nem isso
nem aquilo.
Agora é transversal
Uma incógnita dizível
mas não pronunciável.

Fique.
Sinta.
O medo é recíproco - é um jogo, lembra?
Se perca no improvável.
Na pessoa inimaginável
que mexe e mexe mais
em suas entranhas
na carne
e no coração desiludido.
Tempo separa corpos
e nada mais...
Venha aqui
não há promessas
nem juras
somente "isso"
Inexplicável
intangível
que insiste em se instalar
dentro
no âmago dos corpos
nus
que se presentam
no inocente pensar que
não foi nada...
Que não é nada
além de corpos
nus
(...)

AML


domingo, 10 de junho de 2012

Crua

(Gustav Klimt - Adam and Eve, 1917-1918. Unfinished)

Trocar de pele
Meta-morfose
Ela quer
sei(s)
minutos únicos
ao seu lado.

Pra dizer
num quarto escuro
pra viver
na varanda
o que crês não querer, não esperar
Na melancolia
flores que desbotam no outono
Na desilusão
uma porta de ontem.
E acaba
quando você conhece
deseja
e pensa
"ela".
Só ela. 
Olhos de primavera.
que só olham pra ti.
Ela diz sim.
Ela quer sim.
Não precisa falar
só saber
dela
que só pensa em existir
pra ti.
Momentos únicos
pra repetir
uma alegrar (se)
de outrora.

Sem planejar
sem querer
súbito.
"Ela".
"Ele".
Inacabados.

AML.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O horror de Hamlet




Nem Ofélia.
Nem amor de Ofélia
Não morreria como Ofélia
a beleza está na vida não reativa
Hamlet apenas viu fantasmas
procurou fantasmas
criou tantos outros fantasmas
foi a própria memória da vingança
contra si
e não contra Cláudio
Ó, Hamlet
Entre ser e não ser
perdestes tanto tempo
tanto gozo
tanto mar
quando deveria apenas olhar
e mergulhar
para Ofélia...
em Ofélia
com Ofélia...

AML