domingo, 23 de setembro de 2012

O meu vício é gostar do vulnerável: pele que arde o frescor de cada amor indefinido.

AML

(foto: xilogravura de Oswaldo Goeldi, "Abandono", 1937)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

(Des)pedida


(Cena do filme Lost in translation, de Sophia Copola, 2003)

Não hei de bajular
qualquer romance indeciso
que na corda bamba se
equilibra
e arrisca cair
no esquecimento.
Fui amante,
fui esposa,
fui amiga,
sem ser ninguém.
Sempre aqui e, ao mesmo tempo,
fora de qualquer lugar que (me) encontre
Longe de
poder mostrar (me)
por baixo da pele, desvelado do cansaço de estar e não estar
com você.
Sinto desperdiçar uma força intangível
para ressuscitar um sentimento afogado no próprio vômito.
Amor que não sobrevive à ação ácida da teimosia,
ruminadora de pudores (falsos) e temores vis.
Não.
Não irei mais pedir que fique até o fim do dia
 - O dia já passou sem você.
Salvemos as lembranças
guardarei tudo que poderia ser seu para outro (que)
sem medo de aterrizar em solo fértil
me chame para cultivar (mais)
amor.

Alexandra M. Lopes

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

E se o mundo fosse acabar... você.


Vejo tantos posts nas redes sociais ruminando essa preocupação tosca com o "fim do mundo" que hoje resolvi pensar um pouco sobre com o que na verdade o "mundo" conseguiu mesmo acabar. Comecemos pelo simples fato de colocar "mundo" como responsável pelos atos alheios, considerando-o como uma "entidade" gestora de nossos próprios enganos e mazelas. Entidade tão poderosa que é capaz até mesmo de marcar datas (sim, no plural: pois já perdi a conta do número de vezes que o mundo prometeu acabar) anunciando o seu fim. Preparem-se! Estejam atentos ao fim do mundo! Por que deveríamos?

Ao usar o fim do mundo como "desculpa", deixamos de prestar atenção na vida por recear a morte prevista no calendário. A finitude se tornou muito mais sintomática: mesmo com a extinção da vida individual o mundo permanecia o mesmo, e agora simplesmente "resolveu" acabar. E agora, José??

E agora vamos "acelerar". Correr contra a ampulheta. Sem rodeios, para fazer jus ao ritmo eleito: tudo deve ser muito rápido, de forma a virar a página antes mesmo de se deleitar com o desenvolvimento do romance. Não há tempo. Somos pressionados a seguir metodicamente um ritmo que gragrena as partes, deixando seus miasmas pelo caminho. Exigimos uma praticidade e imediatez que engole fases em busca de um resultado esperado. E,com isso, vamos perdendo a "malemolência" para lidar com aspectos não muito práticos e que exigem de nós tempo para amadurecer e frutificar, como os nossos relacionamentos, por exemplo. 

Muito prático e pouco frutífero: há um "manual básico" que nos instrui a marcar a nossa felicidade apenas a partir de um compromisso que é engatado com o outro. Uma série comum de acontecimentos implica, em suas entrelinhas, essa "felicidade a dois" como um fim, como se esta fosse a única forma de relacionamento capaz de gerar em mim a sensação de felicidade; como se eu mesma não fosse capaz - e responsável - pela MINHA felicidade. Essa coisa gostosa de conhecer alguém se tornou algo muito volátil: eu te conheço, nós saímos, tomamos alguns drinks para desinibir e falar mais de si mesmo, adicionamos um ao outro no FB e.... isso significa que temos a intenção de assumir um "compromisso sério"??? E onde ficou o jogo de conquista, a sedução, a sensação gostosa de não conseguir prever o que está acontecendo e simplesmente se deixar levar, se permitir sentir algo novo??? Por que não pode se tratar até mesmo do nascimento de uma tenra amizade?? Isso levanta inúmeras questões, das quais realço apenas as mais óbvias:

Por que tem que ser "preto no branco"?
Por que tenho a pseudo obrigatoriedade de ligar no dia seguinte? E na próxima semana?
Por que a partir de então devo partilhar de todos os meus momentos de distração ou diversão exclusivamente com esta pessoa?? E pior: a pessoa se sente ofendida e até mesmo traída - o que é um grande absurdo - se porventura opto por simplesmente sair só.
Por que devo inserir tão abruptamente uma pessoa em minha vida já com esta "pré intenção" embutida, sem exercemos, juntos, a tarefa de descobrir (se) e desejar a compania um do outro?

Permita-me esclarecer uma coisa: estar com alguém não é condição para a felicidade. E o idolatrado "compromisso" é consequência e não finalidade do envolver-se com o outro. Toda essa "pressa" nos impede de viver o que é mais prazeroso, descobrir que há alguém que acrescente  - veja bem: o verbo utilizado é ACRESCENTAR e não RESPONSABILIZAR - alegria, amor e felicidade; emoções ou sensações as quais eu já possuo ANTES de ter a presença do outro. Isso significa que a presença do outro não é garantia de nada, não atesta a felicidade de ninguém; ela resplandece na nossa capacidade de lidar com as circunstâncias sem se vitimar, sem eleger "o mundo" como um "terceiro incluído" culpado pela nossa própria falta de habilidade em se ocupar da própria vida. A insatisfação não vem de algo que alguém fez ou deixou de fazer por nós, mas do que cada um deixou de fazer por si. Contraditoriamente, é neste momento crucial que não devemos "esperar" e esperamos demais, sem esperar muito de nós mesmos...

Deveras, não há uma receita de bolo. E é uma ingenuidade das mais perversas acreditar nesta absurdidade toda que este "pacote de felicidade" promete. Não. O que devemos querer mesmo é tentar, prestar atenção no que nos faz MAIS feliz - ou em quem acrescenta essa delícia de sensação em nós. Não nos ocupemos com questões vãs; se entregue, se jogue, se aventure sem traçar fronteiras pré concebidas - não se acomode nas coisas permanentes, pois tudo é perecível. E não tema se amanhã for apenas a falha promessa de um outro dia...

AML.

sábado, 8 de setembro de 2012

Insone: para aqueles que dormem demais


(Referência ao filme Clockwork orange, de Stanley Kubric)

Ela apenas queria dormir por uma noite
amanhecer leve como o dia
desponta no horizonte.
Acordar outra
mesmo sendo o que é
só para enxergar -
mesmos com os olhos míopes -
este amor sublime que, teimoso como insiste em ser,
finge não ser amor.
E o silêncio, ah, o silêncio
não disfarça o desejo evidente tão bem quanto um ex-mágico...
Apenas aponta um querer que tateia no escuro
para no final encontrar, como uma pseudo surpresa
Esta mesma mulher
com os mesmos olhos de vidro
a mesma boca carnuda
a esperar por um beijo seu.
Desde o primeiro dia
até o último
sem a menor certeza ou qualquer convicção:
ela pousa em seus pensamentos relutantes
em seu corpo indeciso.
Ela te faz falta...
Mas, não.
Silêncio....
Para ela não acordar... de você.

AML