domingo, 28 de agosto de 2011

O segredo da vida (?!)

(Lucien Freud. Painter and model, 1987)

Sim, ser humano guarda um segredo insuportável, que somente se revela aos homens cuja virilidade possui culhões suficientes para conhecê-lo. A cada movimento nosso, a cada instante, somos arguidos pela Esfinge. Não ela não quer nos dar passagem: "decifra-me ou devoro-te!". Ingenuamente, em nome da permanência e desejo de medicar o sofrimento, recuamos à charada e somos devorados...

Ser assim, humano, exige algo de pele que muda, transforma (se), morre e renasce outro. É decifrar (se).

É preciso estar nu para ser humano. É necessário ser artista para ser homem pictório, que se representa sem a áurea da transcendência, da vida alheia ao corpo e suas afecções. É na nudez de ser o que é que tal segredo se revela, se deixa apreender em seu mistério - confundindo equivocadamente com vazio. Não. É carne que se ilumina com luz e sombra que retrata imagens que não tem pressa em obrar (se). 

Cria-atividade. Sim!! Lançar-se na tela em branco, sem (pre)ocupar-se com o (des)interesse do espectador. Isso é decifrar(se), criando elos com o segredo da vida, sem ostentar uma beleza de clichês, criando pontes, enterrando os mortos, fazendo vida que dói numa alegria extasiantemente corpórea... 

Confesso. Segredo revelado? Creio que não. Só não sou mais promessa, sou performance. Instalo-me no sou apenas - a duras penas. 

Novas pinturas, novos possíveis, novas perguntas por quem sou?. Decifro-me. A Esfinge me concede passagemNão me prendo às respostas, crio uma pintura de mim a cada instante, com novas cores, mudo os temas, estou sempre em construção. Não temo mudar, não finjo perfis fashionistas para agradar o paladar alheio e azedar meu ser. Não temo a dor de mudar e conquistar outros espaços, novas surpresas e perspectivas. Apenas temo que não me conheça como metamorfose, e queira me aprisionar num projeto que não me encanta, não me deixa voar manuelmente fora da asa. 

Porque hoje, meu bem, eu acordei magenta.


sábado, 27 de agosto de 2011

Outro e o mesmo (?!)

"A pergunta quem sou? é nova toda vez que a formulo, e a decisão de partir da sua resposta é sempre penosa e radical, ao ser tomada. Formularei, pois a pergunta quem sou? como se fosse pela primeira vez, para (quiçá?) poder decidir-me." Vilém Flusser.

Toda grande mudança abre alas para o vazio de si. Um avassalador vazio, incongruente, por vezes cruel. Mas, ao mesmo tempo, é uma sensação que alegra: todo sentir vazio prenuncia novidade. E tudo que é novo não é tão, mas tão gostoso?

É preciso coragem, meu bem. Por que o vazio deixado pelo que passou pode devorar as entranhas e curá-las para devorá-las novamente, dia após dia: há um preço pelo desejo de nomear o vazio, de vazio. Se deixar, o vazio se transforma em buraco negro, que tudo engole, que inveja o que é vida e se preenche apenas de morte. O "autêntico" (?!) vazio quer compania: quer sentir-se cheio, quase explodindo. Veja bem: explodir é excesso - embriaguez de vazio que se esvaziou demais, ou se preencheu demais, ficou escuro de cores para ver os limites. E tudo se mistura, água quer ser óleo, sujeito quer ser verbo no pretérito perfeito do subjuntivo. Sujeito sem adjetivo, por que vazio. Mas, ao mesmo tempo, completo. De que? 

Gasolina. 

É preciso ousadia, meu bem, para não explodir. Nesses momentos, a solidão é solidária. Ventura para experientes, não para iniciantes, que fazem do vazio, o Nada. É para amantes da vida que medem a força, a sensibilidade e inteligência pela vontade de lutar e não pela retórica e persuasão que só faz sentido em dicionários. Retórica é para velhos rabugentos e vaidosos, que fogem da solidão, que preenchem o vazio com novidades infantes e populares: promessa de felicidade inócua, cuja duração é de festim. Não constroi, não cuida, não (re)cativa. O venturoso não vê a solidão como castigo. É um plus presentificador que o seduz, que o impele a querer mais, querer calibrar o vazio com o amor inebriante e desconhecido... Sim, querido! A solidão inova, reforma a casa para receber outro de si!! Outro de amor!! Outra forma ficcional de vida!! 

A solidão-solidária é terapêutica. Permite que cada um encontre outro lugar pra ficar, pra ser seu. Admite outros nomes para o seu lar. Quer aprender outra forma de vida possível, outra pintura de si, nova perspectiva que não ambiciona ponto de fuga; atividade de artista que joga com a desmedida e não se perde: se encanta, se enamora, porque goza de uma vida que se afirma por ser vida, por ser esta vida e não outra. O venturoso não finge. Não foge. Não lamenta a solidão, nem o vazio - respira fundo, aperta até o final o tubo de tinta e... cria.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Suzanne

Há poucos prazeres na vida que são tão singulares quanto fumar um cigarro ouvindo Leonard Cohen declamar o coração desvairado de quem ama...

Oh, Suzanne, só há herois cegos na cidade...
Adoro romper com regras tolas
que querem poder sem Poder
garantir
que viver é seguro...
que nada...

Quem sente o vento
balançar os cabelos sabe (que)
viver é aventura
nau sem rumo
o tempo não é estável
nem sempre as nuvens são de algodão
Há algo de púmbleo em viver
Poesia que adoça
e também açoita o corpo
na mesma (des)medida
O mundo está carente de mundo.
Organismo que padece
de amor
de finitude
de possíveis.
tudo que permanecer
imaturo
Mudança que preserva
que teima em preservar
 - o que já não volta -
Mudança que não muda
nada além da vaidade
Para que passar
por fases
se é possível permanecer "na fase"?
                                        "na face"?
Pulam perspectivas
como se pulassem corda
Não há movimento
Não há cria-ação
Tudo paira
no tempo
ma inércia do tempo
que deixa de ser fluído
e inaugural.

Cadê novidade?
Acham autêntico tropeçar
nos mesmos carimbos, nos mesmos ágons (será ?!)
que infantes evitam .
Acham que tempo
só passa no relógio
para os aposentados
frustrados que lamentam
as lutas que deixaram de travar porque não tinham
tempo para envelhecer...

Vejo um mundo caricato
que ri
de um amor caricato
escrito em HQ's
em que o homem morre e ressurge
como heroi covarde.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Intensidade

Sentir cada centímetro cúbico de toda dor e toda alegria com humor inocente. Feito criança com chiclete na boca, que se lambuza ao fazer bola.

Sinceridade que dói e alivia:
É pura de valor, convenções, conceitos. O sentir não deve ser interditado pelo silêncio quando há tanta incoerência dentro das palavras. Linguagem que luta pra sair da garrafa, jogo de signos que dinamiza a alegria de viver, mesmo quando a circunstância espanta o coração, torna o ar mais rarefeito e faz corpo pesar.

Sendo sincero, a vida ganha leveza... É jogar limpo consigo mesmo, sem usar a trapaça como proteção contra a dor que o sincero aparenta querer causar. Veja bem: não se trata de imposição de opiniões, tampouco revela um desejo aristocrático de afirmar-se a todo custo. É mais, muito mais que simplesmente "causar" desconforto - ele já está alojado antes da pronúncia do primeiro verbo direto-indireto. Trata-se da finalização digestiva para continuar a alimentar-se de possíveis.

Não é a sinceridade que é rude. Não se leve, caro leitor, pela opinião dos hipócritas. A rudeza está em confundir inocência com ingenuidade; em banalizar o coração do outro só porque não vem acompanhado de bola de cristal. É rude quando o não dito parece que foi dito - tudo se resolve no intervalo da autoridade polarizada do discurso: palavra que se torna monólogo, fonemas que trombam com imagens no espelho, mas que ecoam no semblante de quem não as replicou. Calou-se. Silêncio que absolutiza apenas incógnitas. Aí a palavra torna-se coisa mal feita, porque é uma oportunidade que desoportuniza - vale só para um.

Sinceridade sensibiliza a vida para a alegria, para a plasticidade do moldar-se constantemente. Somos feito de terra, mas não somos máteria prima queimada no forno... Somos humanos expostos à adversidade do tempo natural. Humanos que se tornam cacos, caricaturas de si quando somente são respeitados como artefatos para bajulação e paliativos de um entretenimento vil, de um conhecimento para colecionadores de paixões sem sentido (sensível, porém, embriagado de silêncio)...

Rir de si: sim, alegria que acha graça em desenganos. É querer amanhã, montar quebra cabeça que sempre falta a última peça. E o que colocar no lugar do espaço vazio? Nada. Deixar à revelia do tempo? Não. Basta simplesmente deixa-lo assim, aberto para tudo o que puder se encaixar...