segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Mexíveis e não mexíveis

Salvador Dalí - Girafa em Chamas, 1937

A memória pode fazer do seu dia uma trincheira de guerra. Se lembrar ou esquecer? Ambos podem construir ou destruir o mundo no qual se sente confortável num piscar de olhos: com uma palavra que ouviu aleatoriamente,  uma música que conseguiu captar enquanto mudava de estação no rádio. Um perfume. Um beijo que não aconteceu naquela hora.

Difícil avaliar qual dessas duas artes é mais trabalhosa de aprender. Atire a primeira pedra aquele que nunca desejou não se lembrar de um tanto de coisas que se despertam, do nada, sem o menor pudor, dentro de si mesmo. Por que simplesmente não se esquece e ponto final? Por que viver sem incômodo algum é um projeto que, desde o princípio, promete ser um fracasso. Afinal, é esse incômodo que irá, se souber ler a mensagem, demonstrar o quanto somos mal investidores quando o assunto é se lembrar ou se esquecer.

Veja bem, pode se tratar de uma seletividade, embora não seja necessariamente definir o que irá engavetar como "lembrança" ou "esquecimento". Estou falando de um outro tipo de seleção: o que fazer quando essas lembranças indesejáveis vem à tona, acompanhada de algum sentimento constrangedor. Não podem ser mudadas, evidentemente. São situações que foram esquadrinhadas no passado. Porém, é possível avaliar o que pode fazer com essas lembranças agora, no presente. Vai mergulhar num poço de dor e arrependimento - típica atitude reativa que tende a se tornar mais e mais inflamada à medida em que não consegue se desprender do que já passou - ou fazer dela um verso mal acabado da própria história, transformando-a naquilo que por experiência não deu certo. Melhor que ignorar que um fato deveras aconteceu é aprender como torná-lo algo que não seja repulsivo. Isso é esquecer. Deixo o passado em seu lugar e dou licença para o recomeço.

Se esquecer, nesse sentido, conduz para o desconhecido. É uma oportunidade de (re)construir-se, de (a)firmar-se. Não é uma borracha mágica que apaga as mazelas da vida. Tampouco garante que não haja outros tropeços. É um convite a se atrever a não fazer do passado uma cicatriz.