domingo, 24 de fevereiro de 2013

Quando não querer é querer demais

Inspiração vem de um movimento vital do corpo: a respiração.
O que me faz inspirar?
Encher os pulmões de ar e deixá-lo sair pelas narinas,
sem pensar que algo me deixou aqui, sozinha,
experimentando uma cama vazia?
O amor não foge pelas narinas.
Expiro apenas o que é poluente da alma.

Quero compartilhar a felicidade
Não importa como - você entende o que necessita e o que
é dispensável em certas circunstâncias da vida.
Pode ser tão bom que assusta quem já experimentou
tanta dor e frustração.
Cada um sabe até onde pode ousar
quando encontra alguém que parecia não existir
além da precipitação cardíaca.

Medo de se enganar,
de machucar a si mesmo e o outro.
Medo de não merecer e, ao mesmo tempo
achar que merece demais.
Confuso, eu sei. E passageiro.
Basta deixar de procurar
para encontrar o que deseja.
Está tudo do lado de dentro;
tudo que posso e não posso ter.
"Não ter" é uma ilusão. Posso mais.
Não é fácil descobrir isso.
Precisa cavar fundo na alma,
para no fundo bem fundo encontrar algo evidente
aqui, na superfície.

Será que sofri?
Sim. Cada dia angustiante valeu um quilo
a mais de poesia, amor, alegria.
De querer isso que sinto
e me faz acordar no meio da noite leve como pluma.
Quero acordar ao seu lado,
dividindo mais que uma fruta mordida.
Uma hora, e mais dois minutos para que
entre o medo e o se permitir
a segunda opção abra novas fronteiras.
Não temer, não tremer.
Hoje soul free.
Amanhã será você.
E nós.
Eu te encontrei.
Você ainda vai me encontrar.

AML






terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Carnaval



De tanto falar em não se perder,
adentrou na multidão, sozinha,
surrupiando calor humano alheio.
Segurou a corda com força,
seguindo o bloco cidade afora.
Cantou e dançou sem compromisso com o tempo:
sem intenção alguma,
(ela já costuma não ter intenções)
ainda foi fetiche para quem só aprecia máscaras.
Eles veem um par de jade em sua face maquiada;
um corpo vestido de carne.
Foi a pessoa amada para o delírio platônico
do carnaval de alguém.
São três dias em que se festeja o amor  -
como vertigem dos demais 362.

Pés calejados pela folia,
coração leve depois de tanta energia.
No carnaval nos perdemos e
nos encontramos.
Entre um bloco e outro
fica um pedaço de si,
dando licença para outra fantasia.

Ali, sentada na praça depois do baile de carnaval,
ela enxerga apenas um rosto
dentre tantos outros que são puro festim.
É quarta feira de cinzas.
Sem máscara,
o que a vida exige é coragem
 - palpite de um sertanejo ensimesmado -
para percorrer a aridez dos dias
em que o tempo é presente.

AML



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Drummond é o Sentimento do Mu(n)do

"Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu contemplados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre."

Carlos Drummond de Andrade - O amor natural.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fragmentos II

Envelheço a cada segundo,
mas me sinto mais jovem enquanto o tempo
parece dizer o contrário.
Sim, renovo a vida todos os dias.
Minha alegria não é póstuma,
meu amor não é feito de nostalgia
de quem já fui: ambos estão registrados
aqui, agora, em quem sou hoje.
Meu coração pulsa ritmos desacelerados
a cada ano. Sinal de leveza na alma e no corpo
desejoso,  porém sem pressa condicional.
Não me guardo para nenhum ideal,
tampouco espero que haja algo reservado
esperando que eu o encontre.
O que é meu está aqui,
percorrendo quimeras frágeis em minhas veias.
Não meço o tempo,
deixo qualquer previsão para serviços de tecelagem.
Não completo estórias de ontem com reticências,
e para o futuro não faço interrogação.
Hoje não estou incompleta,
soul amor
        alegria
        e poesia.




sábado, 2 de fevereiro de 2013

O velho e o moço




Posso ser a metade andrógina de alguém por aí,
tão perdido quanto eu.
Saio pela cidade, esbarro sem querer
num corpo com mesmo espírito que eu.
E nada.
Volto só,
uma noite pela madrugada igual a todas as outras:
um brinde à monotonia do lugar comum,
das frases de efeito,
dos desfechos previsíveis.
Ressaca existencial,
essa de não poder fazer mais nada além de seguir adiante.
Vários mitos dizem que
uma alma identifica a outra, assim,
pelo olho de dentro.
Minha'lma disse que sim,
mas não houve resposta;
talvez o outro olho seja ateu.
Três e meia da manhã,
bebo mais uma taça de vinho,
ao menos posso me acompanhar
até o que não foi,
para seguir outra direção e
recomeçar outro acaso.

AML