quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Do visível e invisível



Há um espaço invisível 
onde você quer que eu esteja,
sem precisar me ver dançando por aí. 
Um lugar longe das sombras da indecisão
onde você não se pune pelos seus desejos incoerentes.
Lá eu posso ocupar tudo, tomar conta
da sua alegria, da sua tristeza,
do seu mal humor matinal
e de sua inegável vontade de ficar e viver
essa fantasia que se tornou a breve história de nós dois.
Na contramão de tudo e de todos,
da sua vista cansada de lhe repetir 
as mesmas cenas que vivemos, feito um disco arranhado,
você poderia simplesmente ficar - livre.
Do que adianta caminhar lado a lado de um porto seguro,
se sua trajetória é como um looping infinito que carrega
seu corpo e sua imaginação para outro lugar?
Eu jamais poderia escolher para ti
ou lhe pedir que devolva o beijo que 
roubou o meu sossego.
Ganhei mais do que perdi. Menos é mais - ou menos tempo.
Porque o amor é inefável, 
feito esse lugar etéreo onde me guardou
em sua memória. 

Créditos do gif: http://lavrapalavra.blogspot.com/2016/02/a-traicao-das-imagens.html

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

P.s. n. 3




Do querer que não se acaba,
feito bruta flor residente de
um lugar que não possuo.
Pintura de um dia que eu tive
e pude lhe sentir na minha pele,
feito tatuagem,
que não se apaga,
nem desbota,
nem sai de mim.


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Primavera

Doze girassois numa jarra - Van Gogh


Quando você se foi,
levou contigo o ardor daquele sol,
bem típico de um inverno tropical.
Fez a primavera começar com um dia frio,
de cores púmbleas e sem a mesma graça que encontrei
no seu sorriso pela manhã.
Sem sol, sem cor, sem sal.
Refazer o café e reencontrar o gosto, o apetite indiscreto
pelo o que não pode ser nada além de vontade.
Olho pela janela e fecho para o vento não
bagunçar ainda mais o meu coração, 
que transborda esse amor que
ainda há de ficar guardado na gaveta.
O vento leva e traz o que estiver solto,
o que não pode ficar no mesmo lugar.
Sim, eu sinto. Eu sinto muito.
Sentir seu cheiro, seu tejo,
é uma das mais belas reminiscências 
que hei de guardar.
Mesmo sabendo que não vai voltar,
insisto em ver nesse dia triste
uma flor nascer no deserto
que se tornou essa nova estação
em que você não pode estar. 

domingo, 8 de setembro de 2019

Memória

Salvador Dali - Rock'n'roll - La danse


Entre tantos dissabores
e o amargo que restou
no final de uma desventura,
ela (re)conheceu-se.
Despida dos valores que sempre
lhe traziam a cólera disfarçada de lisonja,
enxergou, pela primeira vez,
seu corpo nu refletido no espelho.
Não havia formas,
nem curvas, nem nada que pudesse lembrar 
aquela beleza tão comum e desperdiçada,
por sempre depender da aprovação de um olhar
que menospreza o bom gosto de ser quem se é. 
Ela se viu, ali, ainda sem graça 
por finalmente entender que não há a menor graça
em esperar que o amor esteja prestes a surgir,
feito mágica, de um lugar que não pode ocupar.
Um suspiro, de alívio e gratitude,
a fez recordar do que precisava esquecer:
daquele amor que nunca veio,
por não ser digno do amor
que tem por si.