quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Atomic heart mother

Quero a serenidade fria de um lagarto, para poder deixar o ontem na prateleira das bugigangas. Ao mesmo tempo, preciso ter a força de uma fênix para projetar-me além de toda vitrine que me vende aos trapistas como um pecado do qual alguém severamente se arrependeu. A acidez de palavras impensadas jogadas ao vento não me convencerão do que não sou, tampouco me condenarão a me tornar um reflexo da teimosia de quem não tem a ousadia de mudar.

Agradeço a Apolo e Dionísio por me adotarem como otimista trágica, permitindo-me transformar o horror em prosa, em versos, em dizeres que acalentam meu coração dilacerado pela circunstância que me desfavorece. Desejo profundamente toda a sorte lançada através da Sabedoria do Sileno, mascarada pelo coro dissonante que me faz cantar e contemplar a vida com mais afinco.

Não tenho o hábito de vomitar minhas indigestões. Não deixarei de viver este momento. Não hei de me esconder atrás da porta, tampouco hei de mergulhar no mar de lamentações inúteis e me afogar no abismo. Mas vou sofrer cada segundo à distância, na superfície do cotidiano, encarando-o pela imagem bela que já tive, no espelho que ontem se espatifou...

Vou recomeçar...

sábado, 13 de novembro de 2010

Inconstance

Não preciso ser sempre para ser eu mesma. Eu sou feita de terra, de barro, me moldo com o tempo de louça, sou outra além de qualquer querer "ser assim". Me construo com vontade de mudar, se for pra eu ser só um retrato de uma persona, não sou, não fluo, me calo.

As vezes é preciso esvaziar para ser alguém...

Nem sempre ter estampa colorida significa que a tela está preenchida. Sou pintura incompleta, que não quer ocupar o "lugar do rei". Mudo sem cessar, como a maturidade de meus cabelos e de minhas rugas que hão de surgir...

É como rio em direção perpétua ao o mar que firmo quem sou. Me jogo no abismo de Ser sem preocupar-me em se machucar, de cair sem chegar ao fundo ou de me encontrar sozinha embaixo da ponte das aparências. O que quero é ir pra algum lugar...Viver já é um bom lugar pra ficar até quando durar...

Tenho aversão aos outros que se defendem no espelho, que só gozam com o pinto do outro por não querer lidar com seu próprio gozo. Eu só defendo o que sou na transfiguração. Quem se diverte com meros ideais de mim ou de si, é por que se contenta em ser fantoche da fortuna de ser humano....a qual, infelizmente, parece preferir não possuir.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Farpas

Depois de três litros de razão pura, sofre-se pelo menos de ressaca transcendental.

Gosto sem interesse, mas imperativo categórico.

Belo é pra quem tem Espírito.

Arte? Só pra cortar caminho até a religião.

Eros contra Anteros: "Amai e procriai" - mas não gozais.

"Só sei que nada sei" não é saber de alguma coisa?

O Dasein é um sem teto.

Perda da aura sem anjinho barroco.

Almônadas.

Indústria cultural em viagem à Ítaca.

Deus ex machina como vontade e representação.

Catarsis do fim da tragédia.

Etc.
Etc.
Ideia de Etc.

Ode aos trinta anos

O mais divertido em existir é não saber nada sobre existir, apenas ir levando, vivendo, amando cada segundo frente o terror do desconhecido. É como jogar amarelinha sabendo que nunca chegará ao céu, porém, insistirá uma, duas três vezes somente pelo prazer de jogar... A inocência da infância que infelizmente perdemos ao amadurecer é tão mais rica que o acúmulo de frases difíceis aprendidas nos maiores compêndios que fomos capazes de criar...

A maturidade apodrece a inocência, nomeada a partir de então como ingenuidade pejorativa ou excesso de imaginação: adultos que se recusam a crescer, assumir responsabilidades de gente grande ou abandonar o sonho de Never Land... Eu creio no oposto disso. A maturidade deveria ser o ápice de nossa capacidade de imaginar e criar jogos de sobrevivência: poder brincar de ser humano é mais agradável que qualquer seriedade imposta como necessidade após a maioridade.

Nesse esconde-esconde as avessas que chamamos de vida adulta quero criar minhas próprias regras, sem medo de ser pega em flagrante fora de meu secreto esconderijo....

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Porque escrevo ... ?

Escrever é abalar o sentido do mundo.

Esta frase de Roland Barthes imprime muito bem porque me ponho a escrever: não é para dar sentido ou significado às coisas, tampouco para criar uma zona de conforto onde o incômodo da transitoriedade da vida não venha causar náuseas. Ao contrário, vejo a escrita como meio de criação que permite tanto o escritor quanto o leitor a lidar com as complexidades da existência sem torná-la velada, sem fechar-se em "ou isto ou aquilo" (pequeno lembrete à Cecília Meireles). Em um texto posso ser qualquer um: não tenho sexo, idade, compromisso com a ciência, com a seriedade e o rigor moral; posso criar novos paradigmas, falar palavrões e qualquer insanidade - nada me proíbe criar o que eu puder imaginar... Uso uma máscara que não esconde ou inibe o que é indizível, apenas é um artifício de minha interpretação.

Eu escrevo o possível. Não quero convencer ninguém sobre nada. Tampouco quero ser exemplo de alguma coisa para alguém. Não direciono minhas letras para pessoas específicas - parafraseio Nietzsche, pois pode ser para todos e para ninguém. Meu texto é liberdade, uma dança corpórea com todos os meus eus sem imprimir nenhuma face. Não pretendo patentear nenhuma opinião, apenas mostro ao leitor uma página para que ele complete por si mesmo as próximas linhas. Minha escrita é um jogo de linguagem que somente pode ser apreciado por quem não tem medo de pecar contra uma lógica, uma certeza, uma verdade, um mito.

Convido-lhes à interpretação da vida como em uma fotografia erótica: suponho-lhes a nudez, mas o desvelamento fica por sua conta, caro leitor...

sábado, 3 de julho de 2010

Desejo de voltar o tempo
Rever a história
Refazer o texto
E propostas
Mas tudo depois.
Porque agora é cedo demais e amanhã nunca é o último dia do mês.
Porque acredita que esperar não envelhece o sonho e não esquenta a sua bebida.
Porque prefere desejar o nada a nada querer.
Porque simplesmente não vai onde quer.
E por achar que acordou do lado errado da cama, quer dormir novamente.
Mas agora, não.
NÃO.
Pois já esvaziou seu porta malas e estacionou onde quer ficar.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

L'amour....

"Quando o amor entra no meio, ele se torna o meio"...

Amor... será pronúncia do inaudito, mas sem a pretensão clássica e tradicional de decifrá-lo ou compreende-lo? Será apenas sentir... aprecia-lo numa tarefa interminável em compartilhar o paladar com alguém??

Amar está muito além de qualquer fronteira gramatical, moral, lógica...de qualquer instância da Verdade, da Beleza, da Medida. Abrange tudo que desejamos e o que equivocadamente pretendemos - em vão - evitar. É um (des)velamento do humano, por isso, não há como escapar de toda disparidade que tal experiência sublime pode nos proporcionar. A visão "genérica" do amor ideal nos leva a busca-lo sem trégua mas, ao mesmo tempo, nos leva a crer que ao encontra-lo viveremos uma experiência extática ausente do sofrer, de qualquer dor; não queremos acreditar que amar também tem o seu ônus e que não finda com qualquer inconstante - é um desejo pela transitoriedade que não pode se esgotar.

Porque cargas d'água queremos, ansiamos mesmo, crer que amar é encontrar uma réplica de nós mesmos em outra persona? Qual é o descrédito em vivenciar o diferente, para que fracionar o incomum? Só para sossegar as emoções, aquietá-las numa esquife comum onde devo enfadar qualquer novo querer?

Ora, ora, não é que o gato da fantasia platônica subiu no telhado? Não me entendam, apenas permitam-me anunciar outras perspectivas.

Vinícius de Morais - quem literalmente foi um amante incondicional, no sentido ambivalente mesmo - uma vez afirmou que "o amor é o encontro, embora haja tantos desencontros". Sem delongas: não há como amar sem lidar, dia a dia, com o singular, o diferente, o que de fato provoca um sentir que não se vicia na monotonia. Isso nos leva a (re)pensar o paradigma do "realcionamento ideal" (ideal para quem??), porque amar também é devir, é a complexidade de viver com alguém sem ambos tentarem anular a singularidade um do outro. Assim, engloba crises, desafetos, e outros tantos pequenos miasmas com os quais temos que estar dispostos a lidar. É complexo, caótico e abissal - como a existência "em si"... e cada duo de universos tão dissonantes deve esculpirem-se, juntos, como casal. Amar é uma cria(a)ção mútua, de uma Galathea que, aos poucos, é desvelada...
Nem Apolo...
Nem Dioniso...
Nem Afrodite...
Amor é...
...
Fati.

Dedicado ao meu Amor Fati, de olhos e mente cor de amanhã.

sábado, 27 de março de 2010

Vinicius likes storms

"Ah, insensatez, o que você fez,
que colhe sempre tempestade?
Coração mais sem cuidado,
que colhe sempre tempestade.
Fez chorar de dor o seu amor, tão delicado
que colhe sempre tempestade.
Ah, porque você foi fraco assim,
que colhe sempre tempestade?
Tão desalmado...
que colhe sempre tempestade!
Ah, meu coração, quem nunca amou
colhe sempre tempestade.
E quem não merece ser amado
é porque colhe sempre tempestade.
Vai, meu coraçao, ouve a razão, usa só sinceridade
que colhe sempre tempestade.
Quem semeia o vento, diz a razão
colhe sempre tempestade.
Vai, meu coração, pede perdão
por colher sempre tempestade.
Perdão apaixonado
que colhe sempre tempestade.
Vai, porque quem não pede perdão
colhe sempre tempestade.
E não é nunca perdoado
porque colhe sempre tempestade."

Obs: Esta é uma brincadeirinha feita por mim mesma com a canção "Insensatez", de Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Dedicado a "quem fuma e não traga, que não paga pra ver, que olha e não vê, que lê e não sabe, quem ora e não crê... enfim, quem vive na tonga da mironga do cabuletê".

"Apesar de você..."

Eu não queria ladear de ironias cada sintoma do mal gosto. O fato é que viver sem rir de nossa seriedade é a assinatura de um pacto com o diabo, em que vendemos nossa alegria em troca de quinquilharias efemêras e talvez sem sentido por alguma razão (des)conhecida. Quanta ingenuidade! Pensar que pecamos em achar a vida engraçada, quando na verdade deveriamos nos punir por acha-la sem graça...

"Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão"... Chico Buarque já desconfiava dessa cilada, que particularmente eu complementaria com outro trecho desta mesma canção: "ora, tenha a fineza de desinventar". É claro que não estou aqui me referindo à noção de pecado que aprendemos desde a hora que chegamos no mundo... É um pouco pior que isso. Entendo como pecado este ato claro do mal gosto, premiado há mais ou menos 2000 anos como melhoramento do homem, sem questionar no que de fato nos tornamos melhores. Se melhorar significa se esvaziar de todo mal (e o que podemos nomear como mal? O que, no sentido mais estrito da palavra, de fato nos faz mal?) que habita nossa alma, ou - para provocar os ascetas um pouquinho mais - nos livrar de todo desejo que habita nosso corpo, eu confesso, que prefiro piorar muito daqui pra frente.... Não há pecado maior que se auto flagelar por ser humano e viver como tal, afogando-se em um constante Tsunami que nos suga para o fundo do oceano, mas nos traz de volta à margem. Nós pecamos quando tentamos ocultar qualquer movimento comum à transitoriedade e finitude da vida com piadas de macaco de auditório, que nos faz rir de uma condição que não é a nossa: bobos da corte metafísica idealizada bem longe daqui.

Desinventar o pecado se trata de recusar-se em "permanecer na permanência", isto é, aceitar o convite arriscado e cheio de pura adrenalina de viver em constante movimento, no puro devir de não ser sempre a mesma coisa. Temos a autorização inata de poder mudar, de transitar em nossa natureza desnudos da ficçao cientifica e romântica racional: o ideal deve permancer apenas em seu próprio universo. Ser "bom demais" é se castigar demais em nome da temeridade...

Deveras, o humor inteligente de Chico nos faz uma feliz ressalva: "apesar de você, amanhã há de ser outro dia"... Porém, espero que não paguemos com juros todo esse amor (fati) reprimido...