terça-feira, 5 de maio de 2020

Ao Senhor das Máquinas


Sem tempo para ter tempo
Tic-tac  doce como bala de tiro ao alvo
As horas se esvaem por entre os dedos
envelheço ou pereço - nem sei
em qual estação eu desci
Num (in)cômodo ou no outro  
nada resta além do cansaço
                          da vista turva e confusa
                          do corpo teso e inflama
Efeitos colaterais do ócio criativo
 - ou ócio produtivo?! - 
O tempo como produto, como meta
Uma foto na parede do escritório 

A imediatez da vida
da necessidade de respostas
                         de números
                         de valores
sobrevive a qualquer vírus
O sistema imunológico dessa lógica delirante 
não responde a nenhum tratamento
O mundo adoeceu de tanto eu
as pessoas se rendem a qualquer way of life
                                                     uma promessa
                                                     um mito
                                                     uma glória 
que esvazia o que nos resta de humano
Não há vacina para códigos de barra
Nem máscaras que nos proteja da indiferença
Nos tornamos invisíveis
às mãos invisíveis do desenvolvimento
Já reproduzíamos obras de arte
hoje reproduzimos a criatividade
o empreender individual e seco, sem sabor
 - não é um merlot - 
o inventismo burocrático que só cabe 
nas planilhas do excel
ou nos dados do Big Data

Vigiar e punir - a gente nem percebe
uma Soma que só soma esquecimento seletivo
                                       - perdi minha dose
Entre tantas ofertas de felicidade estampadas
nas vitrines das redes sociais, dos likes 
soul grato, soul casto
esse otimismo viciante que degenera 
a potencialidade da vida, do trânsito
comum pelas vias contrárias
Na contramão,
lutamos para sobreviver a qualquer custo
Não percebemos que na realidade 
já deixamos de viver há muito tempo
quando reduzimos quem somos 
a um registro da categoria. 




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