Poesia e filosofia - ou filosofia em poesia? Textos, versos e um dedo de prosa, tudo escrito por Alexandra M. Lopes: professora, filósofa e poeta, gauche na vida.
terça-feira, 5 de maio de 2020
Ao Senhor das Máquinas
Sem tempo para ter tempo
Tic-tac doce como bala de tiro ao alvo
As horas se esvaem por entre os dedos
envelheço ou pereço - nem sei
em qual estação eu desci
Num (in)cômodo ou no outro
nada resta além do cansaço
da vista turva e confusa
do corpo teso e inflama
Efeitos colaterais do ócio criativo
- ou ócio produtivo?! -
O tempo como produto, como meta
Uma foto na parede do escritório
A imediatez da vida
da necessidade de respostas
de números
de valores
sobrevive a qualquer vírus
O sistema imunológico dessa lógica delirante
não responde a nenhum tratamento
O mundo adoeceu de tanto eu
as pessoas se rendem a qualquer way of life
uma promessa
um mito
uma glória
que esvazia o que nos resta de humano
Não há vacina para códigos de barra
Nem máscaras que nos proteja da indiferença
Nos tornamos invisíveis
às mãos invisíveis do desenvolvimento
Já reproduzíamos obras de arte
hoje reproduzimos a criatividade
o empreender individual e seco, sem sabor
- não é um merlot -
o inventismo burocrático que só cabe
nas planilhas do excel
ou nos dados do Big Data
Vigiar e punir - a gente nem percebe
uma Soma que só soma esquecimento seletivo
- perdi minha dose
Entre tantas ofertas de felicidade estampadas
nas vitrines das redes sociais, dos likes
soul grato, soul casto
esse otimismo viciante que degenera
a potencialidade da vida, do trânsito
comum pelas vias contrárias
Na contramão,
lutamos para sobreviver a qualquer custo
Não percebemos que na realidade
já deixamos de viver há muito tempo
quando reduzimos quem somos
a um registro da categoria.
Fonte da imagem: https://wifflegif.com/gifs/554517-pink-floyd-the-wall-gif
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