segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Rascunho

Saudade
da velha letra distorcida, torta
numa folha velha de caderno.
De tanto criar versos
hoje virou a página.
Desenhou um rabisco absorto, distante,
sem a companhia da própria sombra.

Sem tinta, restam apenas
doze segundos mal contados
entre tantos outros que passaram
e facilmente deixei para trás.
Coração de passarinho
é o meu.

Queria ter a perspicácia de não contar o tempo,
não ouvir passar esse tict tac assombroso
que assobia dentro do meu estômago.
Sinto o corpo se esfacelar por
uma, duas, três aventuras vazias.
Instantâneo titubeante,
feito bêbado atrás de cachaça.
Sem amor fico desidratada.
Cansada de ver o mesmo rosto,
sendo que falta luz para ver
minhas mãos suadas,
meu rosto transparecendo o vazio,
um rascunho de outrora -
me a-presento:
metade de um poema inacabado.

AML







terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sentimental

Posso mudar de plano.
Entregar-me ao mundo
descalça.

domingo, 25 de agosto de 2013

O passageiro

Sou estrangeiro.
Por ver e sentir o mundo
através da pele,
meu ser incomoda.
Respiro, ofegante, em meu próprio lar.
Meu corpo estremece, os pelos arrepiam,
dá medo. Mas não calo-me.
Tentaram me dilacerar, em vão.
Estou aqui, outro, intrépido.
A cidade desapareceu.
Ninguém enxerga o outro.
Meus vizinhos enlouqueceram,
chutaram um cachorro morto.
Como é fácil desviar o próprio lixo
para ocultar fraquezas e debilidades
de uma pessoa de lata.
Acordei sem coração,
ele fora arrancado por uma loira torpe,
mal articulada,
incapaz de amar algo além
do próprio ego.
Huma-lata, vira lata, ladra.
De tão vazia, bebeu água e enferrujou.
Ela não percebera, todavia, que
meu coração é grande,
não serviria naquele espaço emugrecido.
Ainda o sinto pulsar no meu olho, para que
eu veja com clareza minha condição:
sou humano, sempre outro diante do outro.
Visceralmente humano.






segunda-feira, 15 de julho de 2013

Outro lado

(Victoire - René Magritte, 1939)


Por um minuto
perdi  a lucidez.
A estrada, um caminho,
tudo parecia claro,
aprumando e aprumando
querendo chegar sem saber onde.

Não há estrada.
nem um lugar para repousar.
Repouso nunca foi uma alternativa
a não ser para os bêbados
tentando fugir da inescapável ressaca.
Para mim,
cada segundo é inconstante,
cada verbo uma perspectiva
que se muda quando desloco os substantivos de lugar.

Uma página em branco,
sim,
a cada arrastão de pensamentos.
Hoje sou outra.
Não me descubro - me invento.
(Re)invento.
E tem coisa que parecem não sair do lugar -
mas desaparecem.
Basta um piscar de olhos,
e tudo fica para trás,
dando lugar ao novo.
Assombro.
O coração gela.
A pele arrepia..
É a vida seguindo seu curso
feito um  rio rumo ao mar.

AML

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Intervalos

Há um silêncio ensurdecedor
aqui dentro.
Um coração acústico preenchido
por nadas. 
Sem dó.
É sol.
Calo-me.
Abro a janela emperrada e
a luz entranha cada célula,
pulsa (des)harmonias,
cada sopro ecoa quimeras;
uma nova pele amanhece.

Mas acordei antiga, com a 
carcaça em cima da mesa.
Difícil é desfazer do apego
mesquinho que encera a casca mas
não permite o fruto amadurecer.
Por que ontem parece ter sido melhor que hoje?
Dei para isso, pensar que fui gente
e hoje sou casca - de gente.
Há tanta gente-casca que dói;
viver a seco, esperando a vida vir de fora.
A vida pulsa no nervo.

Quero fluir feito rio,
mesmo que não desague
no oceano pacífico.
Descascar a pele enrijecida,
permitir o vento gelado tocar 
a carne sensível.
Sentir de novo
dor e amor
e amanhã.

AML



O dia pareceu ontem,
fiquei cansada por três horas.
Senti-me pequena, tão pequena 
que até desapareci.
Sim!
É preciso ouvir aqui dentro,
sem t(r)emer ou engasgar vírgulas.
 

Quando o dia parece ontem
e cada minuto relembra meses,
anos,
uma década
engavetada.

Você fica pequeno,
tão pequeno que desaparece.
Sshshshshshshsh!
É preciso ouvir mais o que
toca aqui dentro.



sábado, 23 de março de 2013

Condicionais

Eu preciso dizer coisas inteiras.
Seja uma virtude ou defeito (meu),
não tenho outra alternativa
a não ser falar, entre vírgulas e travessões.
Este meu falar, na verdade, é um modo de silenciar.
Não tenho um ouvinte para me corresponder
ao atravessar por minha poética do não lugar.
Porém, insisto: o verbo grita por mim.
Estou com isso aqui, preso na minha garganta,
se manifestando em cada centímetro da minha pele
que repele, mesmo sem querer, a sua.
Eu queria estar na sua frente,
admirando esses olhos castanhos tão perdidos quanto
meus olhos verdes primavera.
Sim, uma condicional que não inflige condições:
eu apenas queria pegar-lhe pela mão,
e percorrer, juntos, o mesmo caminho escuro
que nos apavora. Um ponto de partida
sem relações de causa e efeito, sem finalidade.
Eu tenho medo. E quem não tem?
Mas não suporto guardar isso aqui dentro:
queria te amar, levar alegria para tua alma.
Queria abraçá-lo bem forte, até conseguir ouvir
seu coração pulsando dentro de mim.
Você já está dentro de mim, embora seu lugar
ainda esteja vazio.
Pareço uma louca por senti-lo aqui, tão perto,
sem ao menos ouvir sua voz.
Você desaparece apenas pela metade.
Eu esqueço seu nome pela metade.
Me doaria por inteiro para você,
se não temesse,
se não resistisse tanto em admitir
esse desejo latente, que salta dos teus olhos
quando sem querer cruzam com os meus.
Perdi o chão quando me vi aí dentro,
entranhada na sua carne, sem poder tocá-lo.
Sem poder dizer nada.
Em silêncio, inerte, respiração lenta.
Eu gostaria de dizer que...
sem condicionais.
Deal.

AML






sábado, 2 de março de 2013

Fala

Não temo a dor que posso sentir
ao abrir-me para outra estória.
Como um livro que não julgo pela capa,
folheio, leio a introdução, o primeiro capítulo.
Abro na metade para sentir o odor da linguagem e
permito que me ofereça mais que meias palavras.
Quero criar outra vida.
Recomeço do capítulo zero:
hoje será ontem amanhã.
E mergulho. De novo.
Num jogo de sedução infindável: quero tudo viver.
Ter sensações adversas também é sinal de que estou viva,
que posso amar cada vírgula fora do lugar
e estranhar quando os tempos verbais estão
corretos demais.
Eu deixo cada emoção me lavar,
me digerir e me devolver nova.
Não refreio a dor,
deixo ela romper minha própria fronteira.
Amar exige um alargamento do mundo.
A linguagem deixa de dizer infinitos
quando a dor se esconde debaixo da mesa.
O Mu(n)do escapa quando o que vinga é o conceito.
Ser não é verbo auxiliar.
Sem  razão há mais poesia.
Não desobedeço minha intuição.

Sinto o coração bater em cada palavra rabiscada.
São encontros desinteressados que me atraem
à leitura do outro.

Minha letra tem vida própria.
Feito a carne nua e sem medo
de encontrar um verbo que cative
a mesma força gravitacional.
Eu te amo.

AML

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Quando não querer é querer demais

Inspiração vem de um movimento vital do corpo: a respiração.
O que me faz inspirar?
Encher os pulmões de ar e deixá-lo sair pelas narinas,
sem pensar que algo me deixou aqui, sozinha,
experimentando uma cama vazia?
O amor não foge pelas narinas.
Expiro apenas o que é poluente da alma.

Quero compartilhar a felicidade
Não importa como - você entende o que necessita e o que
é dispensável em certas circunstâncias da vida.
Pode ser tão bom que assusta quem já experimentou
tanta dor e frustração.
Cada um sabe até onde pode ousar
quando encontra alguém que parecia não existir
além da precipitação cardíaca.

Medo de se enganar,
de machucar a si mesmo e o outro.
Medo de não merecer e, ao mesmo tempo
achar que merece demais.
Confuso, eu sei. E passageiro.
Basta deixar de procurar
para encontrar o que deseja.
Está tudo do lado de dentro;
tudo que posso e não posso ter.
"Não ter" é uma ilusão. Posso mais.
Não é fácil descobrir isso.
Precisa cavar fundo na alma,
para no fundo bem fundo encontrar algo evidente
aqui, na superfície.

Será que sofri?
Sim. Cada dia angustiante valeu um quilo
a mais de poesia, amor, alegria.
De querer isso que sinto
e me faz acordar no meio da noite leve como pluma.
Quero acordar ao seu lado,
dividindo mais que uma fruta mordida.
Uma hora, e mais dois minutos para que
entre o medo e o se permitir
a segunda opção abra novas fronteiras.
Não temer, não tremer.
Hoje soul free.
Amanhã será você.
E nós.
Eu te encontrei.
Você ainda vai me encontrar.

AML






terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Carnaval



De tanto falar em não se perder,
adentrou na multidão, sozinha,
surrupiando calor humano alheio.
Segurou a corda com força,
seguindo o bloco cidade afora.
Cantou e dançou sem compromisso com o tempo:
sem intenção alguma,
(ela já costuma não ter intenções)
ainda foi fetiche para quem só aprecia máscaras.
Eles veem um par de jade em sua face maquiada;
um corpo vestido de carne.
Foi a pessoa amada para o delírio platônico
do carnaval de alguém.
São três dias em que se festeja o amor  -
como vertigem dos demais 362.

Pés calejados pela folia,
coração leve depois de tanta energia.
No carnaval nos perdemos e
nos encontramos.
Entre um bloco e outro
fica um pedaço de si,
dando licença para outra fantasia.

Ali, sentada na praça depois do baile de carnaval,
ela enxerga apenas um rosto
dentre tantos outros que são puro festim.
É quarta feira de cinzas.
Sem máscara,
o que a vida exige é coragem
 - palpite de um sertanejo ensimesmado -
para percorrer a aridez dos dias
em que o tempo é presente.

AML



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Drummond é o Sentimento do Mu(n)do

"Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu contemplados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre."

Carlos Drummond de Andrade - O amor natural.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fragmentos II

Envelheço a cada segundo,
mas me sinto mais jovem enquanto o tempo
parece dizer o contrário.
Sim, renovo a vida todos os dias.
Minha alegria não é póstuma,
meu amor não é feito de nostalgia
de quem já fui: ambos estão registrados
aqui, agora, em quem sou hoje.
Meu coração pulsa ritmos desacelerados
a cada ano. Sinal de leveza na alma e no corpo
desejoso,  porém sem pressa condicional.
Não me guardo para nenhum ideal,
tampouco espero que haja algo reservado
esperando que eu o encontre.
O que é meu está aqui,
percorrendo quimeras frágeis em minhas veias.
Não meço o tempo,
deixo qualquer previsão para serviços de tecelagem.
Não completo estórias de ontem com reticências,
e para o futuro não faço interrogação.
Hoje não estou incompleta,
soul amor
        alegria
        e poesia.




sábado, 2 de fevereiro de 2013

O velho e o moço




Posso ser a metade andrógina de alguém por aí,
tão perdido quanto eu.
Saio pela cidade, esbarro sem querer
num corpo com mesmo espírito que eu.
E nada.
Volto só,
uma noite pela madrugada igual a todas as outras:
um brinde à monotonia do lugar comum,
das frases de efeito,
dos desfechos previsíveis.
Ressaca existencial,
essa de não poder fazer mais nada além de seguir adiante.
Vários mitos dizem que
uma alma identifica a outra, assim,
pelo olho de dentro.
Minha'lma disse que sim,
mas não houve resposta;
talvez o outro olho seja ateu.
Três e meia da manhã,
bebo mais uma taça de vinho,
ao menos posso me acompanhar
até o que não foi,
para seguir outra direção e
recomeçar outro acaso.

AML


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Chave mestra

Entregar-se a novas possibilidades tem sido pouco comum. Tenho a impressão que há uma resistência crescente em manter-se inerte, acomodado numa situação a qual quase nada provoca no corpo, na alma - além de pequenos enlaces efêmeros. Eu li recentemente algo que pareceu me perseguir, pois se trata da mesma observação advinda de fontes de conhecimento distintas: não vale a pena permanecer num modo de vida que não nos preenche de alegria e não nos desperte amor. Sim, desses textos pude concluir que a equação que compõe uma vida desejável resulta da soma de amor e alegria, acompanhado de um terço de abertura às novidades, à mudança e transformação de si e do mundo. 

Em tese parece formidável. Porém, na prática há um fator inerente à existência o qual pelejamos para não experimentar: a dor resultante da transformação, do abandono de velhos modos inadequados ao cultivo de uma vida bela - além da rejeição por parte daqueles que insistem em navegar na ignorância, na incompreensão da impermanência do tempo.  Pois é, mudar dói. É angustiante deixar o passado em seu lugar, cedendo espaço para uma arquitetura ousada, uma obra aberta. Se trata de um processo sempre inacabado, lento, mas em contrapartida é dinâmico, uma cria-atividade que nos predispõe a conviver com a diferença - dentro e fora de nós. Não é fácil deixar uma vida tão confortável para trás em busca de algo novo; o comum serve como um edifício domiciliar aos que temem o sofrimento. 

É preciso coragem para deixar de respirar ao contrário. É um risco, não tem jeito: quando menos se espera, estamos diante da necessidade de romper com a ortodoxia de um coração partido, enrijecido, calejado. Não há um olho mágico que nos permite visualizar uma pequena mostra do que há lá fora antes de abrimos a porta. Resta-nos a ousadia de nos resgatar do receio da repetição de velhos enganos e inaugurar um novo ciclo no qual acreditamos no potencial que temos para recriar uma vida a qual desejamos pertencer. 

Venho aqui prestar honras ao desapego: não mais pertencer às estórias que passamos, pois elas podem provocar a morte de um eu que não nos cabe mais. Com o que passou, temos um "vínculo descompromissado" que nos atenta ao que não mais queremos projetar, mas sem o ônus de nos inibir a se lançar - mesmo que acertar o alvo não seja garantido. Afinal, a morte apenas sinaliza o renascimento da vida. E dentre tantas ofertas de resistência à cria-ação, prescrevo aos leitores a promoção advinda da persistência: deixemos de economizar novas formas de amor, abandonemos o hábito purulento em afugentar a alegria por puro medo da repetição de padrões já aposentados. Iremos encontrar, quando não estivermos prontos, alguém que nos desafie a se aventurar sem condições prévias.

Então, deixaremos para trás noites fugazes, onde carregamos o vazio na peneira. E lá, naqueles olhos incondicionais que tanto foge para não encontrar, estará alguém que apenas ousa te lembrar o quão inebriante é (re)começar um dia fora do comum, sem mais se considerar desmerecedor de um ser que apenas deseja doar (te) mais alegria.   

AML




domingo, 27 de janeiro de 2013

Noturno

(Salvador Dali - O rosto da guerra, 1940-1941)

Passou.
Uma hora é possível perceber que 
as distrações fugazes não ocupam um espaço vazio.
Nos colocamos entre parênteses para não encararmos
o que mais nos desafia: se embriagar de si, até 
se acostumar com a carne envelhecida e desejosa de sensações 
que se alternam entre nascer e padecer,
                                  criar e destruir,
                                  permanecer
                                  sempre mudando de ares.

Numa noite etílica, ou apenas de aguarrás,
duas ou três horas da manhã:
você está ali, sentado
vendo os carros avançarem o sinal,
você bebe alguma coisa,
pensa que pode ser tarde - 
embora pareça tão cedo.
Confere se perdeu alguma 
ligação no celular, sempre no silencioso,
quando deveria mesmo vibrar apenas uma ligação.
Ensaia um papo com alguém
desinteressante,
mas, tudo bem, é só um sábado qualquer;
talvez nem dure até domingo. É melhor assim (?).
Bebe alguma coisa,
procura um rosto diferente e,
quando o encontra, sente medo.
É aterrorizante encontrar
alguém interessante quando nada interessa.
O diferente transgride
a acomodação, a rotina, o não ter que lidar
com a vontade de sair com um corpo por inteiro.
Parece fazer voltar atrás, lá onde
um dia quisemos unir dois corpos inteiros e um deles
se partiu
em frangalhos.
Não, é melhor se esquivar. Muda de bar.
Pense em outro drink menos saboroso, mais letárgico
e comum, de fácil ingestão e eliminação dos restos na urina.
Num piscar de olhos,
achamos que é o efeito do álcool,
a visão fica turva e pronto.
Não mais precisamos nos aventurar
na atratividade do incomum, que parece entrar aqui dentro,
causando vontade de ficar perto.
O rosto se apaga,
se afasta,
sumiu,
perdido numa multidão de desenlaces confortáveis.

AML

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Outros sentimentos aqui, no Sentimento do Mu(n)do



"Molle meum levibus cor est violabile telis,
Et semper causa est, cur ego semper amem."

Ovídio -  Heroides, XV, 79-80







("Meu coração suave é fácil presa das flechas ligeiras,
e por isso estou sempre amando.")

Dieta afirmativa

Dor de estômago: sinal que a vida não passa despercebida.

Vídeo de artista

Falta tempo. Para muita coisa e para nada.

Permanecer em frente um vídeo por sete minutos parece ser uma eternidade para quem não se permite o exercício da contemplação. Sem legendas, sem apresentação; depende do seu olhar. É apenas um vídeo; um convite a se deparar aquém do cotidiano que rasteja hábitos preguiçosos.

Porém, o celular toca; dentro da galeria ninguém pode estar só. 
[Cadê o relatório? Confirmou a consulta com o oftalmologista? O horário de almoço não cabe um pastel com refri, o jeito é engolir vento. É preciso pagar a conta de luz, a fila da lotérica está enorme. Desmarcar o happy hour com os amigos. Talvez assistir uma comédia privada. Talvez viajar na próxima primavera.  Trocar o óleo do carro. Comprar o jantar de hoje, que não seja macarrão.] 

É pouco tempo, ele passa e ninguém percebe onde parou. O tempo devora seus filhos somente quando não deixam de espernear horrores em vez de apreciar a beleza de viver.

Pois sim, para contemplar a singeleza da vida, é preciso desprendimento: se desligar do tempo que consome dias desperdiçados com o medo de encontrar algo não planejado. Deixar de racionalizar um desejo latente, permitindo que ele não mais seja comparado à dor sentida anteriormente. Uma sensação  já conhecida para algo que não é como antes, que não traz os afetos de antes. É preciso que nos abandonemos dentro de si, por sete minutos, para encontrar algo mais que a carne dilacerada. Mergulhar mais na simplicidade de seguir minutos graciosos para não mais sucumbir à teimosia, à vontade de evitar uma promessa de felicidade como meio de se proteger do sofrimento. Profilaxia que adoece, medicamento venenoso que inflama feridas, esta mania de enxergar na tela apenas a memória que resgata desenhos desanimadores.    

São apenas sete minutos e... diferença.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Nightmare





Os monstros que me gelam são frutos da lucidez excessiva de minha razão.

AML


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Vê nus

Sem poética
não sou mais que um quilo de corpo.

Claire de lune, uma canção para ninar o devir



É divinamente curioso apreciar algo tão belo que chega a doer na alma. Parece piegas, eu sei. Nem me importo com o que parece, na verdade. O fato é que não há nada que me impeça de me sentir emocionalmente provocada, tocada, e tão incomodada quanto esse tipo de beleza que denomino "avassaladora": ela chega aos meus sentidos me cobrindo feito um abraço forte, oferecendo segurança, conforto, uma sensação gostosa de estar livre e pequeno diante de um universo abissal... É lindo e contraditório; sinto também uma dor que revira o estômago e me coloca novamente plumando no ar, indo para um lugar desconhecido o qual, ao mesmo tempo, parece ser onde eu deveria estar.

Por quê?

Não sei.
Devo repetir que não sei de muita coisa: uma ignorãnça muito conveniente. Apenas sinto e permito me comover ao extremo, sentir cada pulso, o ar entrando e saindo do meu corpo, os pelos arrepiando. É vida que corre sem acelerar, sem pressa de completar um ciclo e (re)começar: não há beleza que se preserve sem passar pela destruição antes da criação. De novo. E de novo. Cada tecla do piano emite notas que ecoam uma simpatia antipatizante pela dor insondável, inevitável, que nos assola. E, ao mesmo tempo, parece encobri-la com um véu que nos permite enxergá-la não como uma ameaça, mas algo inerente com o qual podemos viver sem buscar falsos refúgios. Sim, vou deixar que me toque em notas pungentes que não me assombram, me conduzem apenas a desejar mais e mais vida. Vale a pena cada resvalo de dor, se no final das contas encontro um coração tão humano quanto o meu.

Se fico de costas para o vale onde a montanha me abraça, se me exponho ao perigo de ser devorada por animais famintos que se aproximam sem que eu perceba, ainda assim me aventuro, não me privo do afago que ela me propicia - um abraço de urso, eu diria. 

Não há desventura maior que não se jogar nas notas dissonantes do existir, no caos, na incerteza que precede novas melodias.



domingo, 20 de janeiro de 2013

Chuva de verão

Não sei o que quero.
Ainda não descobri o que sinto falta
quando estou sentido falta de alguma coisa.
Não tenho sensação de vazio,
nem aquela angustiazinha típica
de um coração que transita amores sós.
Me incomoda?
Não.
Aproveito o instante para pensar,
descongelar ideias, sonhos e projetos.
Ontem até voltei a desenhar;
percebi que posso ir além da página em branco
sem, no entanto, ter perspectiva para tudo.

Não se satisfazer com uma certeza
nem sempre é sinal de dúvida
ou ceticismo
 - se esconder atrás de pontos de fuga não é do meu feitio.
É apenas outro jeito para reinventar (se),
descobrir um amor indizível por si.
Há um tempo em que é preciso
olhar-se no espelho, lá dentro, no buraco negro
da íris.
Eu sou meu único limite.
Um salto, um mergulho, um istmo:
desmontar o quebra-cabeça
para depois permitir que
novas peças se encaixem.
Não procuro nada,
mesmo sabendo que vou encontrar algo, afinal.
Uma
duas
três decepções.
Um quase morte
e vejo a vida por outro ângulo, mais simples e
menos ocupado com o medo de doer de novo.
Não desperdiço meu tempo com o temor, nem com noites em claro
que apenas sustentam o desassossego de outrora,
assombração do passado que corta feito navalha na carne.
Uma agulhada dói menos,
passa quase despercebida na memória visceral.
Uma hora ela deixa de incomodar,
e aí
as nuvens plúmbeas abrem frestas maiores para o sol entrar.
A vida floresce mesmo quando a força da natureza a violenta.
Deixo o sol entrar pela janela e aquecer
minha pele cansada de apanhar.
Respiro fundo, sinto meu diafragma quase explodir,
não recuo. Estou desarmada. Vou reagir.
Vou abrir (me).






Hoje



Delicadeza:
aquele jeito malicioso de acordar no domingo.
Feito menino com brinquedo novo
querendo abrir o mundo para ver o que tem dentro.
Quando ficamos à vontade,
com vontade,
de se despir de noções tacanhas de sentir;
ficar e experimentar um beijo inocentemente roubado,
molhado.
Erotismo permitido,
verbalizado,
sentido na carne,
na alma.
Sentir.
De novo.
Não tem que ter nome ou cor,
não precisa de forma ou receita,
tampouco premedita futuro,
promessas.
Não há do que se poupar quando a alegria
é estar assim, deitado ao lado,
fitando os olhos sem procurar "e se", somente inventando um
jogo sem regras estabelecidas.
Não é pique-esconde.
Nem pega-pega.
Tampouco cabra-cega.
Sem ocupar a cabeça com ideias delirantes de
possíveis projetos de gente grande - é um jogo inacabado.
Estar ali, simplesmente gozar alegria e
sorrir - feito criança quando prende a rabiola na pipa
para faze-la alçar voo,
equilibrada,
livre,
sem precisar saber onde vai.
Onde estamos?
No espaço que ocupamos neste momento.
Estamos onde cabemos,
não excedemos espaços que ainda não conquistamos,
alçamos voos livres até onde é possível dar linha
aos encontros e desencontros.

AML


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Fragmentos l

Ela sentiu: é preciso desinventar.

Há tantos objetos na bagagem que falta espaço para ocupar (se).
Esvaziar fotografias antigas
Não deixar escapar novas imagens
Falar desmesuras com mais frequência
Falta sou(l) na palavra
                               criativa.
                               potente.
Ela disse que ouvira um canto de mariposas, curiosas com a luz adoecida do poste.
Vacilou por três minutos, enquanto as mariposas se espalhavam
  - mariposas gostam de bater asas para longe.
Ela deixou de distribuir vazios,
a bagagem era somente dela.
Estava de saco cheio (de)
incoerências - já é algo plausível.
                              algo que realmente deve importar vivências.
Cansou de fazer perguntas ontológicas:
a mala não mais fechava os livros de antes.
Fora preciso abortar a Filosofia,
prenha de ruminãnças seculares
shhhhh!!!
Ela
chegou em casa com sede
 - dispensou a cicuta.
Estava exausta, mas
seus músculos não mais enrijeciam
quando dizia "Sim!".

Foi quando a Poesia voltou para a cidade.

AML