domingo, 15 de maio de 2011

Ex-Mágico? Uma ode existencial a Murilo Rubião.

(...) Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma. (...)
Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém. (...)
Rolei até o chão, soluçando. Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.(...)

Murilo Rubião - O Ex-Mágico da Taberna Minhota.


Em que podemos de fato depositar credibilidade? São tantas possibilidades de verdades e mentiras, há tantas formas de interpretação do que vemos, ouvimos ou pensamos. Nada é permanente, não tem nada que funde uma convicção que perdure eternamente. Se isso vale para as coisa palpáveis que damos nome, forma, cor e tantos outros predicados, imagine então como é para o amor... Tão indizível que é, parece éter, parece mágica.

Se iludir é tão fácil... Criar ilusões que fazem de nós um truque, também é simples: basta que nos ausentemos de ser quem somos por puro receio de não agradar, de não ser "bom demais" para o outro, para o mundo... Daí, sequer representamos um personagem; nos velamos, nos castigamos por não sermos belos demais... Ledo engano... O belo está em ser humano, demasiado humano (Nietzsche e sua potência de vida), em toda sua vivacidade contraditória, defeituosa e deveras extrema élégance quando cria coragem de ser afirmação.

Neste jogo polarizado entre bem e mal, certo e errado, amar e não amar, as vezes nos perdemos. Porque queremos ser a magia na vida do outro, queremos oferecer um sonho, uma quimera, uma promessa de felicidade (Stendhal?). Porém, apostar nessa forma interpretativa do desejo do outro contraria o próprio desejo de ser amado como somos. É desejar ser mágico mesmo sabendo que somos humanos. Como o ex-mágico da Taberna Minhota, só que às avessas: pois cortamos nossas mãos esperando vê-las crescer novamente e nos surpreendemos com a fatídica realidade: mágica, meu caro, só no universo fantástico de Rubião. Aliás, se minha memória não falha, neste conto de Rubião o mágico em questão desejava deixar de ser mágico, de ser admirado por seus truques tão surpreendentes, mas ilusórios. Ele sabia que ser mágico é estar só com seus truques, é ir de encontro a uma solidão avassaladora: pois ser um truque é ser também uma piada que somente ostenta o gozo do outro...

Nem mágicos ou ilusionistas querem ser o que não são: mágicos. Nesta perspectiva, arrisco dizer que é contrário a lei de nossa própria natureza nos afirmarmos pelo o que o outro quer que sejamos. É cruel não admitirmos nossos próprios desejos em nome do bem querer de outro - em jogos de amor, não pode haver anulação de nenhuma das partes. Além de cruel, é estupidez, pois tão logo a ilusão é desfeita, o amor se esvai... 

Amor se sustenta pela fantasia, pelo inusitado, pela expectativa: mas não pela ilusão. A ilusão mesma, por si, também não se sustenta: se não somos perfeitos, adivinhos, nem mágicos, certamente haverá um momento em que não mais conseguiremos corresponder à demanda afetiva-libidinosa do outro. Consequentemente, nossos truques serão insuficiente para ostentar a promessa de felicidade (eterna?)... Truques não são algo em comum  entre o mágico e o espectador: o mágico faz o truque que é admirado pelo espectador, que por sua vez se satisfaz com a ilusão que se esvai ao fim do espetáculo... Por isso, mágicos ficam só: pois doam ao outro uma imagem (de amor) que é para usufruto do espectador , sem a reciprocidade da alegria, do prazer, do amar...

Deixei de ser mágico. Não exerço mais este ofício. Jogo um jogo que agora tem as minhas rainhas e os meus reis. 

Ex-mágicos ostentam quem é sem o adorno da ilusão (causação de picadeiro) de outrora. Se fazem feliz sem os truques. Todavia, como o Ex-Mágico da Taberna Minhota, todo ex-mágico caminha só. Mas não faz piadas (de si) que o torne agradável ou especial, ou surpreendente ou "melhor de todos". Não é mais uma figura jocosa de mulher, de homem, de amor. O amor de um ex-mágico não é um coelho que retira da cartola. É coisa da terra e do corpo, feito de gente. E este amor que encontra sem truques (por si e para o outro que queira o acompanhar sabendo que é ex-mágico) talvez quem o ame não o reconheça. Talvez nem o reconheça: como ex-mágico, você sabe, é possível sempre se recriar... O único truque do qual ex-mágicos  não se desfazem... 

Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico.

De Ex-Mágico para ex-mágico.

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