domingo, 2 de dezembro de 2018

Dolores

René Magritte - Les amants, 1928

O seu querer, mesmo que sincero
me fere sem ao menos me tocar - mais.
Você não me conhece,
você não me vê,
não traduz os sinais em meu corpo
quando expressam o desinteresse.
Mesmo tomado pelo seu desejo,
mal percebe os meus anseios, 
e o quanto quis torná-los seus.
Escuta,
essa voz que hoje vos fala,
cansou-se de ser ouvida 
apenas pelo falo.
Cansou-se de se sentir acuada
por caminhar na contramão de si mesma,
ao ceder aos seus imperativos
               aos seus pedidos
               ao seu tempo
               ao seu gozo.
Não há espaço que me caiba
porque sou toda disforme e sem matéria
suficiente para preencher o molde que criou de mim.
Eu quase caí na tentação de me tornar seu projeto,
seu brinquedo de faz de conta
disfarçado de compreensão e solicitude.
Só que antes de me prender
a um amor condicional em regime semi aberto,
antes de abrir mão da pele que habito,
eu escapei e retornei à minha própria companhia,
a qual insaciavelmente posso dizer eu te amo. 


Créditos da imagem: http://obviousmag.org/archives/2011/01/rene_magritte.html



domingo, 25 de novembro de 2018

Universo Particular







Por muito tempo eu fui
O esteio de uma jornada, onde era possível
reabastecer-se de sonhos,
mesmo não sendo os meus.
Ao desfazer dos grilhões que criei ao desejar
 - sem saber ou sem querer -
satisfazer expectativas estratosféricas,
bem distante de mim mesma,
entrei em colapso. 
Tive que me dissolver, perder o meu brilho
e permitir (r)encontrar a minha própria constelação.
Me deparei com as infinitas possibilidades de ser,
eu tive tanto medo do escuro...
Talvez por receio em me apresentar como sou,
sem as referências cosmológicas que não são minhas,
sem manipular o brilho e as cores que não possuo.

Há tanta coisa que me lembra as dores de outrora,
memórias que anteriormente me faziam afogar num buraco negro
onde apenas me restava lamentar
por tudo que não foi, por tudo que deixou de existir,
pelas coisas que permiti acontecer contra a minha vontade,
só por ter medo de encarar a solidão, de ser 
nada mais que pó de estrela.
Eu ainda não sabia que está só
apenas quem desiste de se expandir,
que se recusa a permitir que essa energia visceral dentro de si
construa um universo particular.
Está só quem entrega o amor que não possui por si
a quem só consegue orbitar em torno do próprio ego.
Feito um satélite que não emite luz própria,
se torna dependente da luz de outrem, 
que só ilumina um lado por vez.
Quero ser a minha luz, definir minhas cores, ter meu próprio brilho.
Numa existência em que o espaço-tempo é uma grandeza
não hei de desperdiça-los com a repetição.

Alexandra M. Lopes



Fonte da imagem: https://lenta.ru/news/2016/02/26/uniage/ 

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

P.S. nº2

Gustav Klimt - Der kuss (1907-1908)


Sem pressa para ficar
e sem vontade de partir: 
apenas sentir-se, jogar-se
e permitir que 
o beijo sele 
a persistência do amor.



domingo, 8 de julho de 2018

P.S. nº 1



Ele se deitou, assim, ainda surpreso,
com os olhos estatelados, em direção ao nada.
Parecia não acreditar, não queria se ouvir, se sentir.
Voltava no tempo feito fita de vídeo,
para morder os lábios ao se perguntar, insistentemente, por que
apenas se despediu, levando nas mãos um cortês beijo, nem tão molhado.
Se tivesse olhado para trás, teria percebido,
que ao final da noite é necessário coragem
para dizer eu te amo.