domingo, 17 de abril de 2011

Dança das cadeiras

"No jogo do amor vale tudo." Será que vale mesmo?

Acho que essa assertiva é um tanto perigosa. Por exemplo, em uma relação, todos almejam um amor incondicional. Entretanto, vejo um problema sério na definição de "incondicional". Se considerarmos, sem maiores especulações, incondicional é, ao "pé da letra", obviamente, "sem qualquer condição ou condicionamento". Não acho que seja assim, pois vejo que amar o outro implica uma condição a priori: desapego. E está condicionado à seguinte prerrogativa: o amor não reside em nenhum coração que pulse pelo sangue dos outros, que está do lado de fora do próprio corpo.

Permita-me ir um pouco mais longe. O ato de amar começa em nós mesmos. Quando nos amamos, driblamos a solidão e experimentamos uma felicidade que não é clandestina, porque brota como uma água que é da própria fonte. Amar a si mesmo já é viver o amor, isto é, a benfazeja do amor e da felicidade não depende de um outro que preencha o vazio de não amar. Esse vazio é provocado pela ausência de nós mesmos, pela falta de amar a si como amaria qualquer outra pessoa - o que torna a solidão um "problema". Quando sentimos falta de alguém, na realidade, é a falta que nós mesmos nos faz... Nesse sentido, o outro não preenche este "vazio de eu", mas acrescenta e compartilha o ser feliz de cada um. Se responsabilizamos o outro pela nossa tristeza, é porque não admitimos que a tristeza é um miasma que se desenvolve pela auto insatisfação... O outro é só um escopo, onde apontamos uma causa culpada para não encararmos que nós mesmos somos responsáveis pela dor que nos aflige... É neste momento que a solidão torna-se um problema, que a falta consome nosso ânimo e desprendemos todos nossos pensamentos e emoções para fora de nós ao invés de volta-los para quem somos - tornamo-nos ressentidos e culpados por não sermos quem o outro esperava que nós fôssemos, esquecendo-se que tal ressentimento é gerado por não admitirmos com toda expressão e força quem somos. 

Deveras, depois que beijamos o príncipe encantado ele vira sapo.

Amar alguém não é mímese, é dinamismo. Não é um monólogo de uma personificação unidimensional: não há um Deus Ex Machina que amarra todas as pontas pra dar vasão à expectativa criada pela narrativa... A construção complexa de um amor a dois não afere a renúncia de ser "eu" para enaltecer a felicidade do outro; uma relação a dois não tem primeiro e segundo lugar, todos são primeiros em valor e importância, não há concessão de privilégios a um "mais fragilizado" em detrimento do outro "mais forte": pois somos força e fraqueza ao mesmo tempo. É a compreensão e não a primazia de um sobre o outro que garante a potência do elo... Colocar o outro num cargo de chefia da relação somente confunde amor com trabalho, rotina, cumprimento de metas idealizadas e inatingíveis: é isso que gera o desgaste, a apatia, a sensação de uma "felicidade infeliz"; o outro torna-se "seu dependente" ao invés de companheiro. A "parceria" se esgota, a intimidade desaparece (relação entre "funcionários da mesma empresa" não são admissíveis em boa parte das instituições...) e o amor torna-se frustração, desejo inacabado, ausência. E tudo pode começar com a ausência de manter a autonomia de ser o que tu és...

Voltemos à questão que levantou minha curiosidade: no amor vale tudo? Sim!

Valer tudo permeia valer dois amores próprios que se enlaçam na mesma teia... É valer-se de si em tudo. 

E tenho dito: amar-se como o és faz qualquer um capaz de amar quem o outro é. Não é narcisismo se amar, é narcisismo achar que a perfeição alcançou sua forma plena em seu reflexo no espelho...O que passou, desapeguemos depois de testar os próprio limites, sem entretanto perder a delicadeza de se renovar em outra chance. Os desacertos de outrora não há como apagar, porém, é uma oportunidade para criar resistência para uma nova partida, uma nova rodada: o último romance sempre é uma novidade posterior. O amor já vivido nos traz de volta ao porto seguro que reside no em si de cada um. 

Minha saudade é autoreferencial...

Sem faltas...

E quando o outro chegar...

  


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