domingo, 29 de abril de 2012

"Não se erra no tango"

(Cena do filme Perfume de mulher)

Um
dois
três passos.
Para frente
para trás
Pernas entrelaçadas sem compromisso
omisso
escorrega a mão pelas costas nuas...
tuas...
pernas se movimentam em direção
oposta
Na dança
não há o que ser visto a olho
nu.
Sensação de pele
cheiro de pele
Sem nome e sem passos marcados
porque sem compromisso
isso
é dançar
amar
o momento é de (des)velar
Sem medo de pisar em falso
com a agulha do salto no coração alheio

Uma dança
de criança que joga e muda as regras
não há passos marcados
a sombra movimenta-se levemente pelo salão
Entrega.
Dançar é amar sem amarras.
Amar é dançar sem amarras
                       sem medo.
Não há passos marcados
demarcados por antes ou depois da música
Só jogo
entre-laçados
pelo o que não podem ver...

AML

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Uma noite, um Scott, duas pedras de gelo.

(Entediada) -  Me convença que este rodeio todo sobre o que pensa sobre o Romantismo há de chegar em algum lugar interessante. Vou te dar uma pista: o que exatamente você deseja, ou melhor: o que te leva a acreditar que de fato eu posso correspondê-lo? - Ela o desafia. 
(Surpreso) - Direta ao ponto, hein? - Ele topa a empreitada.
(Entediada) - Não, querido. Aqui ainda não há direção. Pode ser que eu fique e tome mais um drink com você, pode ser que eu simplesmente vá embora...  - Disse, fitando-o.
(Surpreso) - Sou tão chato assim? Ou estou sendo inconveniente? - Ele mexe o whisky que pediu,  fitando-a.
(Maliciosa) - Não é isso. Talvez um pouco presunçoso... Brincadeira! Só não entendi onde você quer chegar... E...  - Ela é bruscamente interrompida. 
(Ansioso) - Te achei linda.  - Ele se aproxima, mas não a beija.
(Sem paciência) - Obrigada! Mas só isso lhe apetece?  - Ela se aproxima um pouco mais.
(Ansioso) - Eu quero você. Quero muito te beijar, agora. - Ele não a beija.
(Entediada) - Por quê?  - E ela pensa: "meu deus, desde quando é necessário enunciar um beijo, como se fosse uma premissa lógica!"
(Sem resposta) - Ora, porque te achei linda. - Ele sorri, mas sem graça.
(Entediada) - Você é sempre repetitivo assim? 
(Jogador) - Só quero te convencer a ficar comigo. - ele a beija no pescoço, mas não diz incoerências ao pé do ouvido.
(Irônica) - "Não está conseguindo..." - ela pensou, enquanto desviava de um beijo atrasado.
(Jogador) - O que você quer, afinal? Te achei interessante, meio tímida, mas decidida. É inteligente, embora pense que é uma pesquisadora medíocre. Tem um senso de humor refinado, meio ácido, meio doce, é divertida e tem um jeito muito charmoso de ficar entediada.
(Surpresa) - Percebeu que fiquei entediada?!  - "E por que deixou-me ficar entediada!!!" - pensou. Ganhou um ponto! Continue. Me fale mais: o que você quer de uma mulher?
(Esperto) - Se eu te responder, toma mais um drink comigo?
(Curiosa) - Deal. 
(Jogador) - Ok. Olha, tenho bons motivos pra não desejar mais nada além de sexo... (risos) Embora eu também não queira ficar sozinho... - Sorriu: sorriso mais pra canalha que pra Clark Gable.
(Curiosa) - Desilusão, né?! Também passei por uma há pouco tempo. A recíproca é verdadeira, meu caro: eu também tenho boas razões para não desejar nada além de sexo; embora eu também não queira ficar sozinha.
(Direto) - Ficar sozinha te incomoda? - Ele a desafia.
(Curiosa) - Defina "ficar sozinha". Não estou só agora.
(Direto) - Você está saindo com mais alguém? - E depois do desafio, desponta a insegurança infante de um homem maduro (?!). 
(Irônica) - Mas o que é "ficar sozinha"? - Ela topa jogar. 
(Embaraçado) - Você está solteira, certo? Isso te incomoda? - Ele pensa que isso é um brilhante xeque-mate.
(Séria) - Por que deveria me incomodar? Não me sinto só porque estou só, entende?
(Embaraçado) - Claro... Isso me faz pensar no seguinte: se não quer ficar sozinha, certamente não quer apenas sexo. E então, me fale, pois estou curioso: o que você deseja de um homem?
(Objetiva) - Compania. Sexo está embutido em "compania".  - Ela ri.
(Perplexo) - O que?
(Objetiva) - Compania. O que foi? Achou mesmo que eu vivo esperando alguém que caiba nos meus sonhos??? Então é assim: ou isto, ou aquilo? Preto no branco? Cazuza não pediu piedade pra ti também? - Ela ri, ironizando-o. 
(Perplexo) - Não esperava ouvir isso. Mesmo. Na sua idade, as mulheres ficam loucas pra se casar, tem medo de ficarem solteironas, não ter filhos e, literalmente, murcharem.
(Interessada) - Ha, ha, ha! Você não está totalmente enganado, querido! É difícil não pensar nestas coisas, mas encaro por outra perspectiva: não deposito todas as minhas expectativas e sensação de felicidade nesta fórmula - casar e ter filhos. Isso é consequência e não finalidade: não posso fazer disso razão de minha vida, minha felicidade, meu amor. É isso.  - Ela acende um cigarro.
(Jogador) - E agora? Onde está o seu amor?  - Ele ainda quer jogar.
(Séria) - Está bem aqui.  - Ela aponta pra si mesma.
(Desapontado) - É melhor a gente ir. Vamos tomar um último drink lá em casa? - Ele diz,  pensando que isso é um xeque-mate.
(Desapontada) - Acho que não... É melhor eu ir, já passou a hora, se é que me entende... - Ela sorri, se levanta e  segue em direção à porta.
(Persistente) - Ei! Gostei de você.
(Desistente) - Eu também! Mas realmente tenho que ir.
(Persistente) - Eu te ligo.
(Desistente) - Está bem.

AML





segunda-feira, 9 de abril de 2012

Alguma coisa está fora da ordem... Há mesmo uma "ordem"?

Por que não ter tempo?

Por que transformar a vida numa trigonometria sectária insondável? 

Não entendo estas equações relacionais que as pessoas tem planejado para a própria vida. Em vez de simplificar - o que já é simples - complicam, multiplicam um perhaps ao infinito e o mundo desaba em lamentações, crises de baixa estima e medo da solidão. Não há mais tolerância com o tempo, com o jogo gostoso de se deixar seduzir pela novidade: a novidade deixa de ser novidade quando pronuncio o meu nome, a minha profissão e o meu status. Não há mais tolerância em conhecer o outro, aos poucos, camada por camada. O querer quer tudo mais rápido: se há qualquer espécie de compatibilidade, de afinidade, já é o suficiente para embarcar com TODAS as expectativas possíveis; e sonhar, assim, muito além do sonho. Não há paciência em descobrir aquela vontade gostosa de estar com alguém: porque simplesmente "estar com alguém" se torna suficiente, supre uma demanda social (hã?) de que ninguém pode se atrever a desejar um tempo para se deixar levar, para se apaixonar, se envolver. Estas coisas se tornaram instantâneas, já pressupostas numa troca de números de telefone, de um "aceitar amizade" (?!) no Facebook. Como assim?

Onde está o problema terrível em desejar ter tempo pra se jogar?  Ou melhor: por que o desejo de não estar só se tornou tão imperativo, a chegar num ponto em que o outro não consiga compreender que tudo o que alguém pode querer naquele momento (o que não quer dizer que seja definitivo, certamente) é tempo pra dissolver amarras, seja quais forem elas? Tenho uma hipótese: permitir este tempo vai de encontro a insegurança, a instabilidade, a angústia de não saber dar nome à novidade. Velhas conhecidas, este trio. Não dar nome solapa a possibilidade de haver um nome pra "coisa". Se torna uma relação bastarda, de origem "duvidosa". Entretanto, o que solapa qualquer possibilidade de relacionamento, seja qual for, é este furor de imediatez, de ter que decidir logo, de ter que "ser de alguém" e assumir os compromissos e responsabilidades que isso implica. E pra estes "velozes e furiosos", o tempo é o pior algoz. Ter tempo (pra si) gera náusea, inadmissível neste mundo em que o único jogo "válido" é o "jogo do contente".

Se conhecer e se dar a conhecer não necessita de sondar o que é insondável para que seja feita a melhor aposta. Não há "melhor aposta". Tudo é arriscar-se, expor-se, permitir-se. Assim construímos nosso mundo sem fixar se é na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença. É sendo. Podendo ser e criar-se(r). Não há razão em comprometer este jogo dinâmico da vida com equações complexas e ávidas pelo "x da questão". É hora de trazer o amor para as coisas simples e cotidianas. Para bons momentos que podem  - ou não - perdurar; mesmo numa relação com "nome e identidade", há dificuldades a serem enfrentadas e ultrapassadas, ora pois. E tudo demanda tempo... E isso não significa que o amor chegue tarde...

AML


sábado, 7 de abril de 2012

Sexta feira sem paixão. É?

(Henri Matisse. Duas figuras reclinadas sobre uma paisagem, 1921.)


Saudade...
Sentir falta de coisas bem pequenas
pra fazer "de dois"
como um abraço apertado pela manhã.
Dormir de conchinha
sentindo a respiração na nuca
Rir de um filme idiota
que não tem graça, mas fica engraçado, de repente
Falar da vida sem pudor
sem dar nome
sem pre-ocupar com expectativas excedentes

Como as coisas mais simples são infinitamente mais significativas quando partilhadas

Acorda num sobressalto
Sonhou um segredo bom
Mas a saudade levantou às 9:30 da manhã
querendo tomar café
Adiciona açúcar
Dispensa o pão porque está
Apertado
(in)satisfeito
lá dentro
como se coubesse o mundo
pra preencher... o que?
Não é tristeza, definitivamente
É querer
Querendo mais sem poder querer menos

Ah, bruta flor do querer...
Caetano avisou.

AML