segunda-feira, 28 de março de 2011

Entre o espelho e o reflexo

Se existe uma alma que
de fora olha
para dentro,

Se na terceira margem
monto minha casa
leio meu íntimo
e danço com o espelho
embalada por Nina Simone
e alguns drinks,

Se mudo de pele
a cada inverno que me esfria,

Se ascendo a lareira
sem sentir-me no purgatório,

Se esbarro comigo mesma
nas esquinas da Savassi,
entre ser e sendo - eu,

Se deixo de trair-me
e passo a me amar como sou
Na carne
Na superfície
e no que ainda não notastes
em mim,

É somente porque
tenho alma de Vênus e amo amar
ao mar
e além.

domingo, 27 de março de 2011

Nude

Tic-tac.
Tic-tac.

Tempo que passa e só garante uma promessa do que virá que retorna sempre os ponteiro para o mesmo lugar.
Damos tempo pro mundo, para amores mal resolvidos, pra esfriar a lareira do desentendimento e chegar num ponto de fuga em comum com o mundo do porvir. Depositamos no tempo a crença em um futuro que nos oferte estabilidade e a segurança que perdemos - ou sentimos que perdemos - quando somos surpreendidos por uma estratégia do acaso, quase sempre perversa, que preza sempre nos apresentar novas perspectivas. Um novo olhar ao mundo e a si mesmo tem um custo: jogar pro alto o tabuleiro de Xadrez e experimentar novos movimentos que não afere perda nem ganho - é um arriscar-se, selar um pacto com o dinamismo ao invés da identidade. Entretanto, o futuro é apenas uma possibilidade, sem a menor garantia de sucesso ou fracasso. É devir.

Não cometa o equívoco de considerar uma perspectiva pessimista de quem lhe escreve encarar o futuro como algo apenas possível. Pois o tempo, meu caro, é uma invenção humana pra ludibriar o caos que é viver dentre tantas possibilidades e ter que lidar com a árdua tarefa de escolher uma alternativa entre tantas outras. Parafraseio Sartre em dois momentos cruciais ao existir: o inferno em ser humano não é só o outro, é também ser livre. E nem sempre nos dispomos a lidar com o ônus da perda do que poderia ser e não foi nada... É apenas mais uma ficção, um caminhar na superfície por profundidade... Difícil? Só para quem se acomoda na identidade e não ousa arriscar entre sucessos e fracassos. Tempo é aparência de estabilidade e permanência, uma máscara da tragédia teatral que busca uma medida otimista e confiante frente o nada que é o futuro.

Deveras, o passado é um tempo que não volta; o presente, efemeridade ao cubo e o futuro a ninguém pertence. Tempo pode nos preservar e nos consumir; é uma faca de três gumes: pode nos dotar de força, resvalecer o que é (ou foi) forte, ou simplesmente nos enrijecer como rochas que podemos ser, em busca da autoconservação de um coração partido... Nos encoraja ao recomeço - até mesmo do que ainda não terminou, não há ponto final enquanto houver pulmões abrasivos - ou nos torna covardes, afinal, lidar com perdas e danos ofende nossa pretensão à perfeição... 

Meço com o tempo a distância, mas não o porvir. Não conheço o que é pelo que já foi: é possível que o que foi não seja o que é; é possível que o que hoje é, não faça parte do que será amanhã. Na efemeridade do tempo, só tenho interpretações que gotejam possibilidades, nada concreto ou uniforme. Afinal, manter a esperança ainda presa na Caixa de Pandora tem um sentido: nos dotar do não sentido para nos mobilizar à mudança; é um convite a lançar-se no abismo do devir sem frear as expectativas que nos mantém seguramente em dúvida, num Xeque Mate sem fim.

Não há certezas. Não há respostas. Tudo permanece enquanto servir bem à manutenção da ponte que nos estabiliza frente o porvir. O tempo concede licença à estabilidade para quem não mais divide o tempo com a compania de outrora... E permite o cíclico recomeço.

Tic-tac.
Tic-tac.

terça-feira, 15 de março de 2011

Em terra de cego, quem tem olho é rei Édipo

Amo.

E meu amor reside entre o invisível e o visível. Entre a rosa e o espinho.

Tem hora que todos nós somos Édipo: nos cegamos fisiologicamente ao perceber que não temos o domínio que pensamos ter sobre tudo e sobre todos. Preferimos negar que há um universo dinâmico de emoções, vontades e desejos que não podemos visualisar  - e tampouco prever - a lidarmos de olhos bem abertos com a possibilidade de nos enganarmos. Tentamos nos esquivar de nosso destino, que sempre nos lembra quão vulnerável e inconstante é o mundo - e todos nós. Nos sentimos enganados por nós mesmos quando se torna explícito os tropeços ao invés dos acertos - como Édipo.

 Deveras, há momentos que nossos dedos somente apontam para nós e isso rasga o véu - invisível - da desilusão de "melhor", de pretensão à perfeição. Não notamos as vicissitudes mínimas que como éter pairam sobre cada um. Temos o péssimo hábito de nos deixarmos levar apenas pelo que é sensível aos olhos, como se fosse uma parte isolada do corpo que também vivencia cada tintirilar de uma nova sensação experimentada.

Ao mesmo tempo, é mais seguro manter nossos pés e nossa mente na superfície, na aparência da realidade - invisível por conveniência - que é puro devir, embora se identifique aos desavisados como a identidade e estabilidade universal. É na superfície que conseguimos pisar no chão sem ser engolido pelo abismo dos paradoxos, do agón de inúmeros impulsos contraditórios que desejam exprimir cada qual a sua força. Dentro de nós há um duelo  - invisível - intenso e inesgotável entre forças que querem "sair", querem ser o protagonista de todo pensar e agir. Somos uma usina nuclear em atividade em tempo integral, sempre remanejando forças incomensuráveis. Possuímos tanta energia pra sermos o maior arquiteto de si mesmo, mas muito sensíveis a movimentos nem sempre tão bruscos; com o menor tremor (e temor) tudo que somos entra em colapso e simplesmente desaparece, nos deixa a mercê das mesmas forças para ser reconstruir.

Essas forças invisíveis somente são vistas quando há silêncio dentro de si. É um mergulhar no abismo com uma corda amarrada na cintura, presa aos diques da superfície - visível - e confortável aos olhos. Mas há momentos que essa corda se estende demais às gélidas profundezas de turvas correntes... É quando transformamos a aparência em ilusão, em mentira que compromete todo amor que houver nessa vida (salve, Cazuza!!!).

A sorte de um amor tranquilo - invisível aos olhos, embora visível ao corpo - sempre há de ter sabor de fruta mordida...