sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu te amo.



Não, não acho mesmo que temos medo de amar.

Temos medo de falar de amor. Sendo a palavra uma imagem que representa nosso ser invisível, aquele que se reserva às esferas mais subterrâneas de ser, falar de amor talvez seja uma exposição intolerável do que somos: nada mais que amor em potência. Queremos amar, mas sob um véu, que ao mesmo tempo em que revela o desconhecido, vela sua inteireza: só mostramos uma parte do eu que nos garanta que permaneceremos inteiros, ilesos, intocáveis. Agora me responda, leitor: há como permanecer intocável, inteiro, ileso ao amar? 

Criamos um universo cosmológico para dotar tudo que nos cerca de um sentido, de um significado -   é  a fórmula que efetuamos para colocar o invisível na superfície dos olhos, tornando-o "aparente"... A imagem que criamos de nós mesmos também postula o que significamos para o mundo, para o outro. Entretanto, esquecemos que imagens são como máscaras teatrais que ocultam a persona para mostrar o personagem. Ou seja: estas imagens, como as máscaras, se moldam de acordo com quem somos ou quem queremos ser - o que nos supõe a beleza de sempre poder mudar, sem necessariamente nos perdermos no caos das possibilidades....

No entanto, o desejo de amar que nos consome na mesma medida que nos alimenta nos faz uma ressalva. Amar exige que estejamos dispostos a romper com o pacto de segurança que a máscara e o véu nos oferece. É neste momento que entra a palavra. Pois só a palavra pode dizer o indizível que permeia a imagem e muitas vezes confunde o coração. Falar é preciso. Amar exige que nossa carne seja exposta ao vento. Tais reflexões (ou desvarios meus) me fazem lembrar de uma canção do Chico Buarque e Tom Jobim que tem o mesmo nome deste post e a qual faço referência agora:

"Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora,
Me conta agora como hei de partir??
Se ao te conhecer,
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz, pra onde é que 'inda posso ir??
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz, com que pernas eu devo seguir??
Se entornastes a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça de teu coração,
Meu sangue errou de veia e se perdeu??
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E meu sapato 'inda pisa no teu??
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios 'inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair??
Não, acho que estás te fazendo de tonta
te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta: como hei de partir??"

Amar envolve mais que imagem: é o ato reflexionante de imaginar... Imaginar envolve tanto a imagem quanto a palavra, num exercício contínuo e doloroso de se descobrir em dois. A dois. É confundir as pernas sem deixar de caminhar em sintonia, compartilhando individualidades. Não é epiléptico. Amar é dialético. Sempre negar o que foi pra dar passagem ao que pode ser. É um constante tentar, descobrir a dois possibilidades, medos e desejos... E desejar... E amar. É atirar-se num abismo sedutor, numa simpatia antipatizante que nos atrai, nos convida a "pular de cabeça" em águas desconhecidas. 

Deveras, amar é "para além" de um verbo... 

Porém, é enunciando EU TE AMO que difundo publicamente a imagem de nosso futuro a dois. Atado em nós. 



(Foto: todos os créditos a Caspar David Friedrich por sua pintura "O viajante diante do mar de nuvens", de 1818) 





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