domingo, 27 de janeiro de 2013

Noturno

(Salvador Dali - O rosto da guerra, 1940-1941)

Passou.
Uma hora é possível perceber que 
as distrações fugazes não ocupam um espaço vazio.
Nos colocamos entre parênteses para não encararmos
o que mais nos desafia: se embriagar de si, até 
se acostumar com a carne envelhecida e desejosa de sensações 
que se alternam entre nascer e padecer,
                                  criar e destruir,
                                  permanecer
                                  sempre mudando de ares.

Numa noite etílica, ou apenas de aguarrás,
duas ou três horas da manhã:
você está ali, sentado
vendo os carros avançarem o sinal,
você bebe alguma coisa,
pensa que pode ser tarde - 
embora pareça tão cedo.
Confere se perdeu alguma 
ligação no celular, sempre no silencioso,
quando deveria mesmo vibrar apenas uma ligação.
Ensaia um papo com alguém
desinteressante,
mas, tudo bem, é só um sábado qualquer;
talvez nem dure até domingo. É melhor assim (?).
Bebe alguma coisa,
procura um rosto diferente e,
quando o encontra, sente medo.
É aterrorizante encontrar
alguém interessante quando nada interessa.
O diferente transgride
a acomodação, a rotina, o não ter que lidar
com a vontade de sair com um corpo por inteiro.
Parece fazer voltar atrás, lá onde
um dia quisemos unir dois corpos inteiros e um deles
se partiu
em frangalhos.
Não, é melhor se esquivar. Muda de bar.
Pense em outro drink menos saboroso, mais letárgico
e comum, de fácil ingestão e eliminação dos restos na urina.
Num piscar de olhos,
achamos que é o efeito do álcool,
a visão fica turva e pronto.
Não mais precisamos nos aventurar
na atratividade do incomum, que parece entrar aqui dentro,
causando vontade de ficar perto.
O rosto se apaga,
se afasta,
sumiu,
perdido numa multidão de desenlaces confortáveis.

AML

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