sexta-feira, 28 de julho de 2017

(Re)trato



Ofertou-me um amor 
que só existe como efeito 
de um pharmakon:
em vez de sanar a doença,
envenena cada centímetro do corpo. 
Onde se respirava vida
restou apenas a poeira do deserto.
Feito a ausência com a qual me preenchera
para ter-me em seus braços mais uma vez.

Sua palavra vale menos
que um vintém que eu daria ao boticário
para que eu tivesse uma chance 
de ser imune às suas promessas vazias.
A vantagem de já ter sido vitimada
por um escorpião traiçoeiro
é que agora criei resistência 
ao seu hábito de fingir que tenho 
alguma significância para ti.

E como numa epifania, numa maçã mal mordida
reencontrei meu eixo gravitacional.
Nada como uma boa dose de veneno,
amargo,  de um pequeno frasco,
para comemorar a morte certa
do que antes me torturava.
Há liberdade maior que poder recusar
um convite a lugar nenhum?

De agora em diante, de minha boca,
terás apenas frescor do mais profundo silêncio.
Prefiro a minha solidão voluntária
a qualquer noite vazia que poderia ter contigo.
Do meu corpo,
resta a ti apenas a memória do meu perfume.
Nem em seus mais funestos delírios etílicos,
que geralmente são culpabilizados
pelo egoísmo febril que há em você,
compartilharei contigo a mesma cama.

Resta-lhe apenas 
uma fotografia desbotada,
de um tempo em que pude lhe dar tempo
e fizeste dele um poema
eternamente engavetado em seus rascunhos.










Créditos da imagem: https://pt.depositphotos.com/40726743/stock-photo-empty-picture-frame-isolated-on.html

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