Salvador Dali - O espectro do sex appeal, 1934.
Tem dia que os ombros não suportam as dores do mundo. A
contingência não sabe brincar mesmo quando o espírito insiste em manter a
inocência. Os sentimentos ficam apertadinhos dentro do peito, como se fossem
explodir; o frio faz arrepiar os pelinhos do braço e o coração palpita amores
que ainda não foram vividos. Tem dia que lhe pedem tempo, enquanto assiste o
tempo passar e desconstruir quimeras. Um suspiro na tentativa de afugentar a
sensação de sufoco. É difícil driblar um dia nublado.
Nesse mundo em que até os mais profundos sentimentos são
ofertados em lojas de embutidos, tentam afogar com as mágoas do passado a
esperança que ainda nutre pela presença de uma companhia que ainda não possui.
Tentam lhe fazer desacreditar que o amor é simples, embora exija trabalho. Querem
te provar que o romantismo se esgotou, está fora da validade; que as relações
são blasé, e que acreditar nas histórias de relações duradouras corresponde à
crença em contos de fada. Querem lhe fazer desistir de todos (des)encontros
para que se integre num mutirão de iguais, cabeças vazias e coração louco; para
que fragmente o coração em pedacinhos a serem distribuídos entre uma ou duas
noites frívolas. E aí percebe que está só, por preferir estar só a ter alguém
que não está disposto a conquistar nada além de um corpo sem órgãos. E lhe
perguntam, sistematicamente: “como pode estar só? Como pode?” E eu
respondo: “sem o manual de sobrevivência dos ascetas, dou preferência a não
querer em vez de desejar o nada”.
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