sábado, 27 de março de 2010

"Apesar de você..."

Eu não queria ladear de ironias cada sintoma do mal gosto. O fato é que viver sem rir de nossa seriedade é a assinatura de um pacto com o diabo, em que vendemos nossa alegria em troca de quinquilharias efemêras e talvez sem sentido por alguma razão (des)conhecida. Quanta ingenuidade! Pensar que pecamos em achar a vida engraçada, quando na verdade deveriamos nos punir por acha-la sem graça...

"Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão"... Chico Buarque já desconfiava dessa cilada, que particularmente eu complementaria com outro trecho desta mesma canção: "ora, tenha a fineza de desinventar". É claro que não estou aqui me referindo à noção de pecado que aprendemos desde a hora que chegamos no mundo... É um pouco pior que isso. Entendo como pecado este ato claro do mal gosto, premiado há mais ou menos 2000 anos como melhoramento do homem, sem questionar no que de fato nos tornamos melhores. Se melhorar significa se esvaziar de todo mal (e o que podemos nomear como mal? O que, no sentido mais estrito da palavra, de fato nos faz mal?) que habita nossa alma, ou - para provocar os ascetas um pouquinho mais - nos livrar de todo desejo que habita nosso corpo, eu confesso, que prefiro piorar muito daqui pra frente.... Não há pecado maior que se auto flagelar por ser humano e viver como tal, afogando-se em um constante Tsunami que nos suga para o fundo do oceano, mas nos traz de volta à margem. Nós pecamos quando tentamos ocultar qualquer movimento comum à transitoriedade e finitude da vida com piadas de macaco de auditório, que nos faz rir de uma condição que não é a nossa: bobos da corte metafísica idealizada bem longe daqui.

Desinventar o pecado se trata de recusar-se em "permanecer na permanência", isto é, aceitar o convite arriscado e cheio de pura adrenalina de viver em constante movimento, no puro devir de não ser sempre a mesma coisa. Temos a autorização inata de poder mudar, de transitar em nossa natureza desnudos da ficçao cientifica e romântica racional: o ideal deve permancer apenas em seu próprio universo. Ser "bom demais" é se castigar demais em nome da temeridade...

Deveras, o humor inteligente de Chico nos faz uma feliz ressalva: "apesar de você, amanhã há de ser outro dia"... Porém, espero que não paguemos com juros todo esse amor (fati) reprimido...

Nenhum comentário: