domingo, 27 de março de 2011

Nude

Tic-tac.
Tic-tac.

Tempo que passa e só garante uma promessa do que virá que retorna sempre os ponteiro para o mesmo lugar.
Damos tempo pro mundo, para amores mal resolvidos, pra esfriar a lareira do desentendimento e chegar num ponto de fuga em comum com o mundo do porvir. Depositamos no tempo a crença em um futuro que nos oferte estabilidade e a segurança que perdemos - ou sentimos que perdemos - quando somos surpreendidos por uma estratégia do acaso, quase sempre perversa, que preza sempre nos apresentar novas perspectivas. Um novo olhar ao mundo e a si mesmo tem um custo: jogar pro alto o tabuleiro de Xadrez e experimentar novos movimentos que não afere perda nem ganho - é um arriscar-se, selar um pacto com o dinamismo ao invés da identidade. Entretanto, o futuro é apenas uma possibilidade, sem a menor garantia de sucesso ou fracasso. É devir.

Não cometa o equívoco de considerar uma perspectiva pessimista de quem lhe escreve encarar o futuro como algo apenas possível. Pois o tempo, meu caro, é uma invenção humana pra ludibriar o caos que é viver dentre tantas possibilidades e ter que lidar com a árdua tarefa de escolher uma alternativa entre tantas outras. Parafraseio Sartre em dois momentos cruciais ao existir: o inferno em ser humano não é só o outro, é também ser livre. E nem sempre nos dispomos a lidar com o ônus da perda do que poderia ser e não foi nada... É apenas mais uma ficção, um caminhar na superfície por profundidade... Difícil? Só para quem se acomoda na identidade e não ousa arriscar entre sucessos e fracassos. Tempo é aparência de estabilidade e permanência, uma máscara da tragédia teatral que busca uma medida otimista e confiante frente o nada que é o futuro.

Deveras, o passado é um tempo que não volta; o presente, efemeridade ao cubo e o futuro a ninguém pertence. Tempo pode nos preservar e nos consumir; é uma faca de três gumes: pode nos dotar de força, resvalecer o que é (ou foi) forte, ou simplesmente nos enrijecer como rochas que podemos ser, em busca da autoconservação de um coração partido... Nos encoraja ao recomeço - até mesmo do que ainda não terminou, não há ponto final enquanto houver pulmões abrasivos - ou nos torna covardes, afinal, lidar com perdas e danos ofende nossa pretensão à perfeição... 

Meço com o tempo a distância, mas não o porvir. Não conheço o que é pelo que já foi: é possível que o que foi não seja o que é; é possível que o que hoje é, não faça parte do que será amanhã. Na efemeridade do tempo, só tenho interpretações que gotejam possibilidades, nada concreto ou uniforme. Afinal, manter a esperança ainda presa na Caixa de Pandora tem um sentido: nos dotar do não sentido para nos mobilizar à mudança; é um convite a lançar-se no abismo do devir sem frear as expectativas que nos mantém seguramente em dúvida, num Xeque Mate sem fim.

Não há certezas. Não há respostas. Tudo permanece enquanto servir bem à manutenção da ponte que nos estabiliza frente o porvir. O tempo concede licença à estabilidade para quem não mais divide o tempo com a compania de outrora... E permite o cíclico recomeço.

Tic-tac.
Tic-tac.

Um comentário:

Brener Alexandre disse...

Gostei muito do texto, un enfoque interessante e um apelo ao existir no seu modo mais autêntico, isto é, existir como um lançar-se fora, um aventurar-se no caos da vida.